Urge passar da sociedade analógica à digital;

À Esquina do Tempo
Urge passar da sociedade analógica à digital
As crises, quando não matam, fazem crescer. É o que se diz muitas vezes e não sem alguma razão. Ademais acrescentarei que não me lembro de um tempo em que não se falasse da crise no nosso país, e no mundo, ainda que de extensão ou profundidade diferentes. Nestes dias que nos cabe viver, também por haver mais informação e consciencialização, do que nos rodeia, nos oprime, nos falta (muitas vezes irracionalmente), parece que estamos rodeados de crises por todos os lados. Estaremos, na verdade, mas há que hierarquizar as questões e priorizar a procura de soluções, sob pena de se mudar alguma coisa para deixar, afinal, tudo na mesma.

Aqui vou focar apenas um aspeto crítico que, porém, tenho por decisivo fator de apoio às soluções para muitos outros: o contributo da informação que consumimos quotidianamente e do conhecimento que daí obtemos – e, consequentemente, das opções que fazemos pessoalmente e, mesmo, coletivamente. Atravessamos, há décadas, uma revolução tecnológica e poucos de nós terão parado para prospetivar os custos materiais, na saúde, na economia, nas liberdades públicas, e, sobretudo, éticas (entre muitos outros assuntos) que se ligam inexoravelmente a esse dito progresso. As nossas relações sociais passaram para o domínio do Facebook; muitas das compras são realizadas agora através da Amazon. A Apple absorve tudo aquilo que nos fica de tempo livre (e às vezes muito mais) dando-nos satisfação à necessidade de desafios e de divertimento; o Google apresenta todas as respostas para o menino e para a menina, o jovem, o sénior e, em geral, qualquer curioso, em qualquer momento da vida.
Por detrás – e muitos de nós o ignorámos – estão multinacionais titânicas (Franklin Foer, World Without Mind), interesses mercantis incontroláveis e estratégias políticas de domínio, mediato ou não. Os logaritmos que utilizam conformam, condicionam o nosso ser e o nosso estar e levam-nos a privacidade em absoluto. Que ninguém se iluda: hoje alguns sabem tudo de cada um e de todos os cidadãos. Entre esses alguns estão os Estados (liberais ou ditatoriais…), entidades globais não eleitas (nem controladas), empresas multinacionais todo-poderosas e omnipresentes e outras entidades cujo rosto ainda não conhecemos mas que, além do mais, usando a iCloud, já estão na génese das guerras do futuro (que já começou).
Decerto nada do dito acima é novo, mas é crítico. O problema é que as pessoas e as suas organizações, nomeadamente os poderes políticos, vivam, ainda, geralmente, numa sociedade que já não existe realmente, a sociedade analógica. A vida, hoje, corre por artérias, veias e capilares de um tempo digital, de uma sociedade digital, e ignorá-la é aceitar a servidão a caminho da escravatura.
Pensemos nas derivas que perpassam dolorosamente as sociedades politicamente democráticas – na organização das forças políticas (p.ex. os partidos), nas campanhas eleitorais e na influência de poderes alheios, obscuros, sobre os atores nacionais (em Trump ou em Bolsonaro). Tem sido evidenciado que esse novo mundo digital tem em si o poder de fazer letra morta de instituições, de leis e regras tradicionais da anterior sociedade analógica, e as consequências estão à vista.  
A construção do futuro ou vai pelos caminhos do digital humanizado, ou não ocorrerá. E cada vez é mais tarde. A democracia já está no pelourinho.
António Vilar, 07/02/2019
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