Investigação clínica e inovação biomédica podem valer 250 milhões de euros;

Nuno Sousa, presidente da AICIB, considera
Investigação clínica e inovação biomédica podem valer 250 milhões de euros
Os desafios estratégicos passam por federar o sistema, capacitá-lo mais, aumentar a massa crítica, considera Nuno Sousa.
Nuno Sousa, o presidente da direção da AICIB quer dar um novo impulso ao ecossistema português de inovação em biomedicina e saúde, afirmou à “Vida Económica”, à margem da conferência “Innovation Day”, promovida pela fundação “la Caixa”.
Esta atividade vale mil milhões de euros em Espanha. O objetivo para Portugal é que atinja os 250 milhões de euros.
Vida Económica - Nas questões relacionadas com patentes, Portugal apresenta um défice nos estudos clínicos com destaque para os ensaios clínicos. De que forma a AICIB pretende ajudar a desenvolver?
NS - Vamos fazê-lo através de três pilares. Temos de começar por capacitar as pessoas e que são o elemento chave para qualquer ecossistema. Esta capacitação faz-se através de formação em competências específicas e da criação de ambientes que propiciem o envolvimento das pessoas em tarefas mais relacionadas com a investigação clínica e inovação biomédica.
No mesmo domínio estamos a federar programas formativos em que trazemos o know-how de muitos para criarmos massa crítica, por um lado, e, por outro, para fazermos ações que são mais eficazes e mais eficientes.
Um segundo pilar é o da internacionalização. Passa por criar mecanismos para mostrar fora de Portugal, mas obviamente também dentro de Portugal, a nossa capacidade. A Agência está muito empenhada em participar, em liderar alguns projetos, alguns de dimensão europeia como por exemplo a criação dos hubs nacionais relacionados com associações que lideramos do ponto de vista europeu. A última dimensão é da organização, com a criação de mecanismos que reforcem a infraestrutura, sobretudo do ponto de vista operacional. 
 
VE - Com que orçamento trabalham?
NS - O orçamento anual é de um milhão de euros. Para atrairmos financiamento e entidades privadas temos que tornar as ações atrativas para os investidores privados. Uma das nossas ações é criar um conceito de porta de entrada única para este tipo de estudos que entram pela APICIB e esta faz a gestão por todos os centros que voluntariamente queiram estar associados a esta plataforma. Com respostas mais eficientes e eficazes iremos não só aumentar o número de estudos clínicos mas também aumentar a sua complexidade e o número de docentes recrutados. 
Para esse investimento temos de ser competitivos. Enquanto presidente tenho a missão de tornar a Agência sustentável e competitiva. A velocidade a que algumas destas ações – que nos propomos fazer –deveriam ser executadas seria maior se tivéssemos mais financiamento. Claro que iremos fazer o melhor possível, mas teremos sempre mais limitações no lançamento de programas formativos mais complexos e de projetos específicos.
 
Federar o sistema para ganhar massa crítica
 
VE - Quais os grandes desafios estratégicos?
NS - Os desafios estratégicos passam por federar o sistema, capacitá-lo mais, aumentar a massa crítica. Temos um sistema muito atomizado, com o centro A, B, C, ..., com uma lógica de competitividade entre estes centros que é muito local e que prejudica o desenvolvimento das nossas ações como um todo. Os promotores contactavam o centro para saberem qual a percentagem de conversão desses contactos em projetos efetivos e rondava cerca de 50%.  E o principal motivo para não termos mais do que 50% prendia-se com o facto de o país não ser selecionado pelos promotores internacionais porque não lhes interessava abrir um ensaio em Portugal quando só tinham um ou dois centros a recrutar. O que a AICIB está a tentar promover é esta federação para olharmos para o país como um todo e para promovermos redes colaborativas para darmos resposta e tornarmo-nos tão eficientes como os melhores do mundo.
Aliás, está demonstrado que as instituições prestadoras de cuidados de saúde que estão muito envolvidas em atividades de investigação clínica e de inovação prestam melhores cuidados de saúde e depois temos o impacto económico. Esta é uma atividade que no país vizinho representa mais de mil milhões de euros anuais e nós temos a obrigação de fazer crescer para uma quota de mercado que se compare com o que se passa em Espanha.
 
VE - Quanto vale a atividade em Portugal?
NS - Não tenho esse valor mas tenho por objetivo chegar aos 250 milhões de euros num período razoável. Isto é um exemplo inspirador para nós e muitas destas ações replicam ações que foram feitas no país vizinho porque, há cerca de 15 anos, Espanha tinha uma situação idêntica à de Portugal, e hoje está seguramente no top 3 mundial neste domínio específico da investigação clínica. E isto deveu-se a políticas que promoveram a federação de interesses dentro  do ecossistema espanhol, e esta é visão e a política estratégica que agora vai ser seguida pela AICIB.
 
VE - Quais são as áreas fortes na investigação clínica em Portugal?
NS - Portugal tem ainda um desempenho menos forte e esse atraso reflete-se sobretudo nos estudos de iniciativa do investigador e faz com que tenhamos alguma dificuldade de definição das áreas fortes. No domínio da iniciativa do investigador, as nossas áreas mais fortes estão muito ligadas com à biomedicina fundamental e da translação que existem Portugal e essas estão nos centros de investigação que promovem esse tipo de investigação e são da oncologia, das neurociências, da imunologia, em alguns domínios nas áreas da farmacologia. Nos Dispositivos Médicos temos um conjunto de competências interessantíssimas, nomeadamente no domínio do digital.
 
VE - Por que é que o regime financeiro do SNS não contempla a investigação?
NS - Não se trata de não completar, o que acontece é que não há uma definição clara sobre os indicadores, sobre as metas e sobre o “remboursement” associado a recompensa e associado ao cumprimento desses elementos. Este alinhamento é fundamental.


Cooperação lusófona

 

Existem iniciativas europeias para fomentar e promover a investigação clínica no continente africano. Refere Nuno Sousa que o desempenho nacional associado em particular aos Palop ficou aquém do que seria esperado ao longo de vários anos. “Vamos no 3º Quadro Programático dessa iniciativa europeia e solicitámos à liderança do Programa Europeu que nos fosse permitido um investimento para promovermos estas ações, quer em Portugal quer nos Palop. E foi-nos atribuído algum financiamento e criámos a Plataforma Lusófona para a Investigação Clínica e Inovação Biomédica”. Moçambique tem vários projetos, assim como a Guiné-Bissau. 

Vítor Norinha vnorinha@grupovidaeconomica.pt, 22/08/2024
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