Trump: a última oportunidade para a Europa
A Europa continua sem compreender os EUA e os EUA olham com crescente indiferença e antipatia para a Europa. É uma péssima constatação, sobretudo para os interesses da Europa, mas as eleições presidenciais norte-americanas, que reconduziram Trump à Casa Branca, provam isso mesmo.
O “wishful thinking” dos europeus relativamente a Kamala Harris, ostracizando Trump, não deixou ver a realidade dos factos: os norte-americanos votaram, pragmaticamente como sempre, com a carteira e não com coração, castigaram o consulado Biden pela crise e alta inflação, que lhes retirou poder de compra e prosperidade, pela política externa, que não resolveu conflito algum no mundo, além de acrescentarem mais uma humilhação com a debandada no Afeganistão, e, sobretudo, foi um voto veemente de protesto contra a cultura “woke” de esquerda, priorizando exclusivamente as minorias, em saturação com a ideologia de género e outras causas similares, que Kamala se assumiu como principal defensora e pagou por consequência. Ela e o Partido Democrata, que também já não sabe quais são os seus princípios, valores e tradição.
Os Estados Unidos não são apenas as faixas costeiras cosmopolitas, que nos chegam através da produção cinematográfica de Hollywood, e não se resumem a Nova Iorque, Boston ou Los Angeles; são um imenso e diverso país, com muita gente esquecida e que luta diariamente para ter o suficiente para sobreviver, muito longe do mundo exótico das estrelas de cinema, dos cantores pop ou dos ativistas do clima, do género ou do “politicamente correto”, que têm tempo de antena desproporcionado à escala global.
As eleições norte-americanas demonstraram, uma vez mais, a falta de isenção dos “media”, que não hesitaram em escolher candidatos e noticiar de acordo com essa opção, em detrimento da independência e da objetividade, o que significa que agravaram ainda mais o défice de credibilidade que vinham acumulando, em concorrência direta com as redes sociais, que, apesar de poderem ser mais manipuladas, não procuram enganar ninguém com cartilhas moralistas. Também, neste contexto, ficou clara a influência que algumas celebridades têm na escolha eleitoral e que é nenhuma, o que, a bem dizer, até é um alívio, pois sujeitar as opções de vida e de sociedade pela pauta de alguém que vive normalmente numa “bolha” de irrealidade, mas que se acha no direito de “falar da fome com a barriga cheia”, não parece também ser um grande destino para o futuro da democracia.
Para quem tinha dúvidas que o mundo mudou, o regresso de Trump à presidência dos EUA significa que se fechou um ciclo. O declínio do Ocidente é irreversível e só nos resta gerir convenientemente os danos e procurar aproveitar o que pudermos dos escombros. A aliança transatlântica entre a Europa e os Estados Unidos remete-se aos livros de História, pelo que a emergência de novos epicentros do poder internacional são um facto que a geopolítica coloca cada dia mais em evidência.
O modelo de democracia representativa e liberal, complementada com uma economia de mercado, não é nem pode ser aplicado à generalidade do globo. Há países que nunca tiveram eleições livres, alternância democrática ou a repartição tripartida de poderes, entre o legislativo, o executivo e judicial, nem nunca irão ter: a Rússia passou do czares para o bolchevismo e deste para a governação autocrática de Putin, a China passou do absolutismo do Império para a ditadura do Partido Comunista Chinês, cujo pragmatismo permite uma espécie de economia de mercado desde que nunca coloque em causa que é o PC chinês que tem sempre a última palavra e cujo controlo social é cada vez mais implacável por via do uso da tecnologia, a África passou do colonialismo para as autocracias, com linhagens de ditadores, que usam a demagogia para se eternizarem no poder, e, finalmente, não se conhece nenhum regime em que o Islão é religião de Estado que haja verdadeira democracia e liberdade, como a que conhecemos entre nós.
Esta é a realidade do mundo que hoje vivemos e esta será a que temos de enfrentar nas próximas décadas. As eleições nos Estados Unidos não trazem nada de novo, a não ser confrontar-nos com os factos da vida: a Europa tem de começar a fazer pela vida, abandonar a burocracia e a fúria regulamentadora, que justifica a máquina administrativa de Bruxelas, pelas prioridades óbvias, que são o crescimento económico, a produtividade, a inovação, a defesa e a segurança, de modo a não cair na completa irrelevância. Se não o fizermos, é a própria União Europeia que está em causa e se esta se desfizer é apenas uma questão de tempo até termos a guerra dentro de portas uma vez mais.
Há males que vêm por bem. A fábula do sapo no caldeirão ao lume, ensina-nos que o sapo se acomodou à temperatura da água, que ia sempre subindo, até que o cozeu irremediavelmente, mas também nos ensina que, quando a temperatura da água muda repentinamente, o sapo, sobressaltado, salta do caldeirão para escapar de ser cozinhado e assim salvar-se.
Esta é uma oportunidade para a Europa finalmente perceber que o destino depende exclusivamente dela própria e, se não o fizer, não haverá ninguém que a venha resgatar.
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