MERCADO IMOBILIÁRIO - trajectória histórica e perspectivas vindouras
Bruno Sousa Gavaia
Associado Coordenador PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados, Sociedade de Advogados
Num enquadramento tradicional, Portugal costumava apresentar uma oferta habitacional algo diversificada e com alguma expressão e relevância, pois o mercado assentava, essencialmente, numa estrutura familiar enraizada e nisso se focava a procura de propriedades familiares; pois não obstante a realidade actual ser demonstrativa de que os filhos abandonam a sua habitação parental cada vez mais tarde, não deixa de ser verdade que o núcleo familiar é hoje mais reduzido. Nas últimas décadas assistimos a um desenvolvimento urbano, mormente nas cidades do Porto e Lisboa, que se evadiram daquele vetusto paradigma, trazendo uma modernização significativa, construção e reabilitação de inúmeros edifícios, com um fito não habitacional; uma pesada fatura que hoje se apresenta – indevidamente, cremos – ao Alojamento Local, o qual aliado ao acolhimento do elevado investimento estrangeiro verificado no país, em muito devido à meneia dos perecidos “Vistos Gold” (na versão ora defunta) e incomportáveis para uma carteira nacional (perante os valores envolvidos); foram deteriorando a necessária e hoje reclamada oferta habitacional. Um célere, facilitado e seguro acesso à habitação configura hoje um quase que inexplicável desafio para a actual geração e principalmente para as vindouras, atendendo à escassez habitacional, nomeadamente nas zonas metropolitanas e como tal, de elevada densidade populacional e, ironicamente, onde mais aquela se mostra precisa. Um país que em duas gerações se reinventou e renasceu de um cariz eminentemente agrícola no interior e algo subdesenvolvido no litoral, dando lugar a um destino turístico atraente, uma vez mais nas principais cidades; fomentando assim a conversão das unidades habitacionais para quaisquer outros modelos que não habitacional, principalmente o Alojamento Local; não poderia almejar destino diverso daquele que se vivencia; pois é bem sabido que a médio prazo o investimento no turismo e a especulação imobiliária existente iria sacrificar a reserva habitacional, tornando menos acessível a habitação para os residentes habituais, não sendo possível obter uma conclusão distinta daquela que as premissas invocam ou, numa espécie de anástrofe da sapiência popular: “quem cabritos vende e cabras não tem”…
Estamos perante um problema, com comparticipação legislativa, inclusive; mas passível de resolução mais a jusante ainda que com possibilidades de mitigação a curto prazo. Os canais e instrumentos de actuação serão diversificados; e se o mercado de compra e venda tange com outros aspectos, inclusive com a banca, já o arrendamento poderia laborar por si só, desde que a intervenção legislativa tivesse ocorrido de forma ponderada e que a mesma resultasse de conclusões advindas de um processo e análise estruturada para obtenção de uma nítida imagem do parque habitacional; tivesse existido arrojo para se abdicar de uma “técnica” legislativa de “tentativa e erro”.
O modelo resultante do desmerecidamente (ainda) denominado de Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), resultante de uma reforma já com 17 anos, prestes a atingir a maioridade de vivência, e que por tal não poderá continuar-se a denominar de NRAU, quando muito será o actual (porque o é do ponto de vista legislativo) Regime de Arrendamento Urbano (ainda que desajustado face à realidade); não veio (seja na versão originária, quer nas alterações, uma mão cheia delas, que sofreu) resolver um problema, senão mesmo adensá-lo!
O mercado do arrendamento enfrenta desafios a vários níveis, com preços elevados quando comparados com a média de remuneração nacional, vedando assim principalmente aos mais jovens o acesso àquele que configura um direito constitucional, e que o é, previsto e regulado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa. Sucede, porém, que tal direito não poderá exercer-se (melhor dizendo, impor-se) à custa do particular. Caberá ao Estado chamar a si o que lhe compete, simplesmente. Procurar colmatar um problema, da mesma forma que se tomaria um analgésico para tratar uma doença oncológica; revela uma inabilidade chocante ou, em alternativa e igualmente censurável, uma desatenção perturbadora. Certas medidas disponibilizadas, sejam incentivos como o Programa de Arrendamento Acessível, Arrendamento Forçado ou o aperto na liberdade coartacta no que toca aos prazos de arrendamento, não funcionam, porque de difícil exequibilidade e uma vez mais, porque pensados, corrijo, decididos somente em benefício de uma das partes numa relação contratual, os locatários/arrendatários (quando ambas padecem do problema); descurando-se o todo, para tratar somente uma parte, inviabilizando assim o tratamento integral. O denominado arrendamento forçado, numa clara violação do direito de propriedade do particular e desconsideração de tudo o que o levara à aquisição desse seu património é mais um reflexo do desespero e falta de criatividade legislativa.
Outros países do nosso continente, como os Países Baixos ou a Alemanha adoptaram estratégias para mitigar o desafio da falta de habitação, lidando com o problema de diferentes formas; seja pela implementação de cooperativas de habitação, ou mesmo impondo limites no arrendamento. No entanto, as soluções aplicadas num outro Estado poderão estar ditadas ao insucesso porque não adequáveis ao nosso país. É legítimo e mesmo sensato que olhemos para fora, procurando inspiração na criatividade de soluções para implementação interna; mas tal de nada servirá se a referida análise não for realizada de forma cuidada e zelosa, com uma actuação equilibrada e sustentável ainda que de sucesso paulatino.
A visão do legislador terá que ser magnânima e geral, onde a disponibilidade para o sacrifício a suportar seja equivalente ao compromisso assumido para a conquista de soluções para o problema, ao invés de o mascarar com alterações de cosmética legislativa; e que o seja, que resulte corajosamente numa perda nas urnas e não em desperdício de recursos reais para combater o problema. Essa visão, além de arrojo (mas a métrica por que cada um se entrega para apreciação a si responsabiliza) implica uma paridade que tem sido, censuravelmente inexistente. É (mais) fácil legislar mediante o sacrifício de uns (no caso, os mesmos) em prol de outros (também aqui, sempre os antípodas daqueles); exige menos zelo e granjeia alguma simpatia, num espécie de fenómeno deturpado de “Robin dos Bosques”, onde à custas dos locadores/senhorios, que muitas vezes vítimas são vislumbrados como ofensores, se legisla em favor de uma parte contratante que não tem, por não poder ter, qualquer supremacia sobre a contraparte, com quem contratou, numa convergência de vontades, recordemos! E o desnível, que o mercado não criou (ainda que o alimente), foi trazido à luz pelo legislador; sacrificando constante e injustamente os locadores/senhorios; numa falsa e apregoada intenção de auxiliar a parte que, não o sendo, se batiza de mais fraca. Sob a égide de pretender equilibrar uma relação que a própria lei desnivela, assim como para acompanhar o aumento da inflação, veio o legislador - como paradigma do retro exposto – frear os aumentos de renda operados para o ano de 2023; raciocínio esse que não surgiu, veja-se, para compensar os locadores/senhorios, o que poderia ter sucedido por motivos idênticos e equidade, nos 2 anos (em décadas) em que o coeficiente de actualização da renda fora negativo!
Ainda, por mais erudito que um causídico se mostre, dificilmente conseguirá explicar (e serenar) a um qualquer locador/senhorio; desde logo porque o próprio não o entende; as razões que subjazem ao menosprezo demonstrado pelo legislador no que toca à transição dos arrendamentos de índole habitacional (antigos, os denominados contratos vinculísticos) para o actual regime de arrendamento, depois de uma década de sonhos, agora substituídos pelo pesadelo, confirmado juridicamente de que as suas expectativas – legítimas, importa lembrar – ficam goradas!
A conduta legislativa do último (quase) par de décadas, fere uma confiança no mercado de arrendamento que demorará a renovar-se; impondo-se que as normas que regulam tal mercado, nomeadamente o habitacional, devam ser sérias e de exequibilidade fluida.
Poder-se-á dizer que pensar muito no futuro levar-nos-á a não vivenciar o presente; no entanto, viver com uma âncora no passado, não nos permite viver o contemporâneo, nem tampouco rumar ao futuro.
É chegado o tempo (já tardio) de criar e implementar medidas, mas não sem que antes se rogue pelo coadjuvação daqueles que mais se veem afectados pelas mesmas (os nomeados de “stakeholders”), como sejam os locadores/senhorios, locatários/arrendatários, autoridades locais, associações da área, todos aqueles que com vivência e experiência na área dos contratos, habitação e arrendamento possam colaborar para um arrendamento mais justo e equilibrado, contribuindo assim para uma (necessária e duradoura) estabilidade habitacional.
Eduquemo-nos para atingir certos níveis de paciência e temperança, essenciais para um sucesso alheio à efemeridade.
Estamos perante um problema, com comparticipação legislativa, inclusive; mas passível de resolução mais a jusante ainda que com possibilidades de mitigação a curto prazo. Os canais e instrumentos de actuação serão diversificados; e se o mercado de compra e venda tange com outros aspectos, inclusive com a banca, já o arrendamento poderia laborar por si só, desde que a intervenção legislativa tivesse ocorrido de forma ponderada e que a mesma resultasse de conclusões advindas de um processo e análise estruturada para obtenção de uma nítida imagem do parque habitacional; tivesse existido arrojo para se abdicar de uma “técnica” legislativa de “tentativa e erro”.
O modelo resultante do desmerecidamente (ainda) denominado de Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), resultante de uma reforma já com 17 anos, prestes a atingir a maioridade de vivência, e que por tal não poderá continuar-se a denominar de NRAU, quando muito será o actual (porque o é do ponto de vista legislativo) Regime de Arrendamento Urbano (ainda que desajustado face à realidade); não veio (seja na versão originária, quer nas alterações, uma mão cheia delas, que sofreu) resolver um problema, senão mesmo adensá-lo!
O mercado do arrendamento enfrenta desafios a vários níveis, com preços elevados quando comparados com a média de remuneração nacional, vedando assim principalmente aos mais jovens o acesso àquele que configura um direito constitucional, e que o é, previsto e regulado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa. Sucede, porém, que tal direito não poderá exercer-se (melhor dizendo, impor-se) à custa do particular. Caberá ao Estado chamar a si o que lhe compete, simplesmente. Procurar colmatar um problema, da mesma forma que se tomaria um analgésico para tratar uma doença oncológica; revela uma inabilidade chocante ou, em alternativa e igualmente censurável, uma desatenção perturbadora. Certas medidas disponibilizadas, sejam incentivos como o Programa de Arrendamento Acessível, Arrendamento Forçado ou o aperto na liberdade coartacta no que toca aos prazos de arrendamento, não funcionam, porque de difícil exequibilidade e uma vez mais, porque pensados, corrijo, decididos somente em benefício de uma das partes numa relação contratual, os locatários/arrendatários (quando ambas padecem do problema); descurando-se o todo, para tratar somente uma parte, inviabilizando assim o tratamento integral. O denominado arrendamento forçado, numa clara violação do direito de propriedade do particular e desconsideração de tudo o que o levara à aquisição desse seu património é mais um reflexo do desespero e falta de criatividade legislativa.
Outros países do nosso continente, como os Países Baixos ou a Alemanha adoptaram estratégias para mitigar o desafio da falta de habitação, lidando com o problema de diferentes formas; seja pela implementação de cooperativas de habitação, ou mesmo impondo limites no arrendamento. No entanto, as soluções aplicadas num outro Estado poderão estar ditadas ao insucesso porque não adequáveis ao nosso país. É legítimo e mesmo sensato que olhemos para fora, procurando inspiração na criatividade de soluções para implementação interna; mas tal de nada servirá se a referida análise não for realizada de forma cuidada e zelosa, com uma actuação equilibrada e sustentável ainda que de sucesso paulatino.
A visão do legislador terá que ser magnânima e geral, onde a disponibilidade para o sacrifício a suportar seja equivalente ao compromisso assumido para a conquista de soluções para o problema, ao invés de o mascarar com alterações de cosmética legislativa; e que o seja, que resulte corajosamente numa perda nas urnas e não em desperdício de recursos reais para combater o problema. Essa visão, além de arrojo (mas a métrica por que cada um se entrega para apreciação a si responsabiliza) implica uma paridade que tem sido, censuravelmente inexistente. É (mais) fácil legislar mediante o sacrifício de uns (no caso, os mesmos) em prol de outros (também aqui, sempre os antípodas daqueles); exige menos zelo e granjeia alguma simpatia, num espécie de fenómeno deturpado de “Robin dos Bosques”, onde à custas dos locadores/senhorios, que muitas vezes vítimas são vislumbrados como ofensores, se legisla em favor de uma parte contratante que não tem, por não poder ter, qualquer supremacia sobre a contraparte, com quem contratou, numa convergência de vontades, recordemos! E o desnível, que o mercado não criou (ainda que o alimente), foi trazido à luz pelo legislador; sacrificando constante e injustamente os locadores/senhorios; numa falsa e apregoada intenção de auxiliar a parte que, não o sendo, se batiza de mais fraca. Sob a égide de pretender equilibrar uma relação que a própria lei desnivela, assim como para acompanhar o aumento da inflação, veio o legislador - como paradigma do retro exposto – frear os aumentos de renda operados para o ano de 2023; raciocínio esse que não surgiu, veja-se, para compensar os locadores/senhorios, o que poderia ter sucedido por motivos idênticos e equidade, nos 2 anos (em décadas) em que o coeficiente de actualização da renda fora negativo!
Ainda, por mais erudito que um causídico se mostre, dificilmente conseguirá explicar (e serenar) a um qualquer locador/senhorio; desde logo porque o próprio não o entende; as razões que subjazem ao menosprezo demonstrado pelo legislador no que toca à transição dos arrendamentos de índole habitacional (antigos, os denominados contratos vinculísticos) para o actual regime de arrendamento, depois de uma década de sonhos, agora substituídos pelo pesadelo, confirmado juridicamente de que as suas expectativas – legítimas, importa lembrar – ficam goradas!
A conduta legislativa do último (quase) par de décadas, fere uma confiança no mercado de arrendamento que demorará a renovar-se; impondo-se que as normas que regulam tal mercado, nomeadamente o habitacional, devam ser sérias e de exequibilidade fluida.
Poder-se-á dizer que pensar muito no futuro levar-nos-á a não vivenciar o presente; no entanto, viver com uma âncora no passado, não nos permite viver o contemporâneo, nem tampouco rumar ao futuro.
É chegado o tempo (já tardio) de criar e implementar medidas, mas não sem que antes se rogue pelo coadjuvação daqueles que mais se veem afectados pelas mesmas (os nomeados de “stakeholders”), como sejam os locadores/senhorios, locatários/arrendatários, autoridades locais, associações da área, todos aqueles que com vivência e experiência na área dos contratos, habitação e arrendamento possam colaborar para um arrendamento mais justo e equilibrado, contribuindo assim para uma (necessária e duradoura) estabilidade habitacional.
Eduquemo-nos para atingir certos níveis de paciência e temperança, essenciais para um sucesso alheio à efemeridade.
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