Um cálice de veneno
Marta Temido foi a responsável pela pasta na Saúde no período mais difícil das últimas dezenas de anos. A pandemia representou uma batalha complexa. Mas apesar da dificuldade da missão os resultados obtidos foram comparáveis aos de outros Estados europeus e em aspetos como o ritmo de vacinação o desempenho foi muito positivo sendo considerado um bom exemplo a nível internacional.
A imagem positiva de Marta Temido e a avaliação positiva pelo trabalho que realizou terão determinado a sua escolha por parte do Primeiro-Ministro para um novo mandato no atual Governo quando podia ter optado por um novo rosto na Saúde.
A imagem positiva de Marta Temido e a avaliação positiva pelo trabalho que realizou terão determinado a sua escolha por parte do Primeiro-Ministro para um novo mandato no atual Governo quando podia ter optado por um novo rosto na Saúde.
Mas, sem que nada o fizesse prever, a credibilidade de Marta Temido foi posta em causa pelos sucessivos encerramentos temporários das urgências de obstetrícia. O impacto negativo sobre os cuidados de saúde foi inevitável e esteve associado a mortes de crianças e agora à morte de uma paciente indiana que teve de ser deslocada entre dois hospitais em Lisboa.
A incapacidade do SNS em assegurar o funcionamento normal dos serviços de urgência é um problema novo. Numa análise superficial, o problema deve-se aos erros de gestão do SNS e a responsabilidade será da ministra demissionária.
Mas, há vários aspetos a ter em conta. Não temos propriamente falta de médicos obstetras, mas sim um reduzido número de médicos com disponibilidade para fazer trabalho em urgências. Existe uma norma que dispensa os médicos com mais de 50 anos de idade de fazer urgências. E assim pelo simples facto de a idade média dos médicos aumentar deixam de ter obrigação de integrar equipas de urgência e os serviços têm que ser encerrados, a menos que o SNS consiga contratar por um valor superior médicos àá tarefa para compensar a indisponibilidade daqueles que atingem 50 anos de idade.
Mas, não existe qualquer razão racional para que os médicos com mais de 50 anos não devam fazer urgências, até porque a maior parte do trabalho de urgência é prestado nos dias de semana e em períodos diurnos.
O princípio segundo o qual os médicos não têm obrigação de trabalhar em urgências a partir dos 50 anos parece absurdo. Também não faria sentido que os médicos com mais de 50 anos ficassem dispensados de atender doentes ou de fazer cirurgias.
As políticas públicas não são neutras. Os atuais problemas do SNS não podem ser dissociados da redução no horário da função pública de 40 horas para 35 horas semanais decidida por António Costa como medida emblemática contra a austeridade. Essa medida populista retirou de imediato 12,5% de capacidade ao SNS porque os cuidados de saúde são prestados por pessoas e não por robôs. Para manter a mesma capacidade, o SNS terá que contratar mais 12,5% de profissionais ou pagar a diferença em horas extraordinárias.
Com as atuais 35 horas, os médicos e os enfermeiros portugueses têm um horário de trabalho inferior às maioria dos países europeus. Os seus colegas espanhóis trabalham 37 horas e os alemães 38 horas. Apesar disso, recusam-se a fazer mais de 12 horas extra mensais para não entrarem em exaustão e burnout.
Sabem que estão numa posição forte e que os governantes estão numa posição fraca porque, ao limitar a sua disponibilidade, os cuidados de saúde não são prestados, há pessoas a morrer, e aos olhos da opinião pública a culpa é dos governantes. As vítimas inocentes são os danos colaterais da guerra entre o que é justo e racional e os interesses iníquos de algumas classes profissionais. Paradoxalmente, os problemas graves do SNS favorecem a posição dos profissionais que nele trabalham.
O modelo público e centralizado que tem sido defendido pelos políticos por razões ideológicas é impossível de controlar e gerir.
O próximo ministro ou ministra da Saúde dificilmente poderá dar continuidade ao trabalho sério e esforçado de Marta Temido. Se o fizer terá reservado para si o mesmo cálice de veneno.
A incapacidade do SNS em assegurar o funcionamento normal dos serviços de urgência é um problema novo. Numa análise superficial, o problema deve-se aos erros de gestão do SNS e a responsabilidade será da ministra demissionária.
Mas, há vários aspetos a ter em conta. Não temos propriamente falta de médicos obstetras, mas sim um reduzido número de médicos com disponibilidade para fazer trabalho em urgências. Existe uma norma que dispensa os médicos com mais de 50 anos de idade de fazer urgências. E assim pelo simples facto de a idade média dos médicos aumentar deixam de ter obrigação de integrar equipas de urgência e os serviços têm que ser encerrados, a menos que o SNS consiga contratar por um valor superior médicos àá tarefa para compensar a indisponibilidade daqueles que atingem 50 anos de idade.
Mas, não existe qualquer razão racional para que os médicos com mais de 50 anos não devam fazer urgências, até porque a maior parte do trabalho de urgência é prestado nos dias de semana e em períodos diurnos.
O princípio segundo o qual os médicos não têm obrigação de trabalhar em urgências a partir dos 50 anos parece absurdo. Também não faria sentido que os médicos com mais de 50 anos ficassem dispensados de atender doentes ou de fazer cirurgias.
As políticas públicas não são neutras. Os atuais problemas do SNS não podem ser dissociados da redução no horário da função pública de 40 horas para 35 horas semanais decidida por António Costa como medida emblemática contra a austeridade. Essa medida populista retirou de imediato 12,5% de capacidade ao SNS porque os cuidados de saúde são prestados por pessoas e não por robôs. Para manter a mesma capacidade, o SNS terá que contratar mais 12,5% de profissionais ou pagar a diferença em horas extraordinárias.
Com as atuais 35 horas, os médicos e os enfermeiros portugueses têm um horário de trabalho inferior às maioria dos países europeus. Os seus colegas espanhóis trabalham 37 horas e os alemães 38 horas. Apesar disso, recusam-se a fazer mais de 12 horas extra mensais para não entrarem em exaustão e burnout.
Sabem que estão numa posição forte e que os governantes estão numa posição fraca porque, ao limitar a sua disponibilidade, os cuidados de saúde não são prestados, há pessoas a morrer, e aos olhos da opinião pública a culpa é dos governantes. As vítimas inocentes são os danos colaterais da guerra entre o que é justo e racional e os interesses iníquos de algumas classes profissionais. Paradoxalmente, os problemas graves do SNS favorecem a posição dos profissionais que nele trabalham.
O modelo público e centralizado que tem sido defendido pelos políticos por razões ideológicas é impossível de controlar e gerir.
O próximo ministro ou ministra da Saúde dificilmente poderá dar continuidade ao trabalho sério e esforçado de Marta Temido. Se o fizer terá reservado para si o mesmo cálice de veneno.
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