“Dura lex, sed lex”
A civilização romana era muito avançada para a sua época. O direito foi uma das áreas mais relevantes e valiosas em termos de legado civilizacional e muitos dos princípios e conceitos criados pelos juristas romanos continuam válidos e continuam a ser aplicados nos dias de hoje.
Os romanos diziam que a lei é dura, mas é a lei – “dura lex, sed lex” –, significando a primazia de uma justiça forte, invulnerável, inflexível, impermeável às tentativas de influência e pressões, capaz de garantir a igualdade dos cidadãos perante a lei.
A conclusão a que a maioria dos portugueses chegou ao conhecer o despacho de pronúncia da Operação Marquês terá sido a oposta ao princípio do direito romano. A lei é branda mas é a lei que temos…
A igualdade dos cidadãos perante a lei torna-se uma ficção porque o sistema de Justiça que persegue o cidadão comum e aplica uma multa porque este se encontrava a comer uma sandes no interior do seu automóvel durante o estado de emergência é o mesmo que declara prescritos os crimes de corrupção em larga escala, manda devolver aos implicados dezenas de milhões de euros de contrapartidas ocultas que foram pagas de forma criminosa e declara que esses valores não estão sujeitos a tributação nem tinham que ser declarados, tendo em conta a sua proveniência ilícita. Por analogia às receitas da prostituição, a Justiça considera que, tratando-se de uma prática ilegal, não pode haver incidência de IRS, TSU, IVA, tributação autónoma, nem pagamento por conta. Não existem receitas antes nem depois de impostos, tal como não existe uma entidade reguladora onde os clientes possam apresentar queixas ou reclamações quanto à qualidade dos serviços e das instalações onde são prestados.
A decisão do tribunal sobre a instrução do processo está sujeita a ser revertida porque vai ser reapreciada pelo Tribunal da Relação e nessa medida todas as acusações e provas do processo podem ser readmitidas e remetidas para julgamento.
Mas o despacho instrutório de sexta-feira passada suscita duas questões. Será que a nossa lei, em vez de ser forte, como diziam os romanos, é afinal fraca, possibilitando as prescrições, invalidando provas objetivas, criando uma situação de impunidade para os crimes graves? Ou será que a lei é dura, mas o sistema de Justiça é demasiado permeável às influências externas ao ponto de fazer cair qualquer tipo de acusação contra poderosos e influentes?
Podemos admitir que a nossa lei não é tão dura quanto devia no combate à corrupção. E a principal razão porque tal acontece estará no facto de o poder legislativo ser exercido em exclusivo pelos políticos. quando sabemos que é na classe política que encontramos a maior taxa de incidência de casos de corrupção e com valores mais elevados, seja na Administração Central, seja na Administração Local. Se os políticos legislam contra a corrupção enfrentam o desconforto de serrar o galho onde os seus colegas ou eles próprios estarão sentados. E também existem várias “nuances” no “mercadejar” dos cargos e funções públicas, desde a corrupção em benefício próprio à corrupção, sem qualquer benefício próprio e apenas em proveito do financiamento do partido ou de outras entidades.
É inevitável que existam pressões e influências sobre a Justiça. Um dos exemplos foi o caso de Itália, onde vários juízes foram mortos porque enfrentaram o poder económico do crime organizado, não se deixaram corromper, e nunca cederam às ameaças de morte que recebiam, pagando com a sua própria vida a defesa da lei e do Estado de Direito.
Na América dos anos 30, Al Capone também exercia uma influência considerável sobre a Justiça, subornando funcionários judiciais e membros do júri, ao ponto de nunca ter sido condenado pelas atividades criminosas que exercia em larga escala. Foi condenado a 9 anos de cadeia apenas por crime fiscal com base nos sinais exteriores de riqueza que não eram compatíveis com os rendimentos modestos declarados. E foi a primeira vez que se aplicou uma pena de prisão pelo ilícito fiscal sem ter sido provado o crime na obtenção do dinheiro.
Para já, o despacho de pronúncia da Operação Marquês deixa José Sócrates numa posição mais confortável do que Al Capone porque considera que os milhões que recebeu não estão sujeitos a impostos e não existe qualquer ilícito fiscal. O antigo primeiro-ministro apenas é acusado de ter branqueado, ou seja, ter lavado o dinheiro “sujo” porque foi pago como contrapartida pelos corruptores.
Mas, ao contrário do que muitos agora pensam, é possível no final do julgamento e dos recursos do processo se conclua que afinal a lei não é assim tão branda e que a Justiça não é tão permeável aos interesses dos mais influentes e poderosos.
A conclusão a que a maioria dos portugueses chegou ao conhecer o despacho de pronúncia da Operação Marquês terá sido a oposta ao princípio do direito romano. A lei é branda mas é a lei que temos…
A igualdade dos cidadãos perante a lei torna-se uma ficção porque o sistema de Justiça que persegue o cidadão comum e aplica uma multa porque este se encontrava a comer uma sandes no interior do seu automóvel durante o estado de emergência é o mesmo que declara prescritos os crimes de corrupção em larga escala, manda devolver aos implicados dezenas de milhões de euros de contrapartidas ocultas que foram pagas de forma criminosa e declara que esses valores não estão sujeitos a tributação nem tinham que ser declarados, tendo em conta a sua proveniência ilícita. Por analogia às receitas da prostituição, a Justiça considera que, tratando-se de uma prática ilegal, não pode haver incidência de IRS, TSU, IVA, tributação autónoma, nem pagamento por conta. Não existem receitas antes nem depois de impostos, tal como não existe uma entidade reguladora onde os clientes possam apresentar queixas ou reclamações quanto à qualidade dos serviços e das instalações onde são prestados.
A decisão do tribunal sobre a instrução do processo está sujeita a ser revertida porque vai ser reapreciada pelo Tribunal da Relação e nessa medida todas as acusações e provas do processo podem ser readmitidas e remetidas para julgamento.
Mas o despacho instrutório de sexta-feira passada suscita duas questões. Será que a nossa lei, em vez de ser forte, como diziam os romanos, é afinal fraca, possibilitando as prescrições, invalidando provas objetivas, criando uma situação de impunidade para os crimes graves? Ou será que a lei é dura, mas o sistema de Justiça é demasiado permeável às influências externas ao ponto de fazer cair qualquer tipo de acusação contra poderosos e influentes?
Podemos admitir que a nossa lei não é tão dura quanto devia no combate à corrupção. E a principal razão porque tal acontece estará no facto de o poder legislativo ser exercido em exclusivo pelos políticos. quando sabemos que é na classe política que encontramos a maior taxa de incidência de casos de corrupção e com valores mais elevados, seja na Administração Central, seja na Administração Local. Se os políticos legislam contra a corrupção enfrentam o desconforto de serrar o galho onde os seus colegas ou eles próprios estarão sentados. E também existem várias “nuances” no “mercadejar” dos cargos e funções públicas, desde a corrupção em benefício próprio à corrupção, sem qualquer benefício próprio e apenas em proveito do financiamento do partido ou de outras entidades.
É inevitável que existam pressões e influências sobre a Justiça. Um dos exemplos foi o caso de Itália, onde vários juízes foram mortos porque enfrentaram o poder económico do crime organizado, não se deixaram corromper, e nunca cederam às ameaças de morte que recebiam, pagando com a sua própria vida a defesa da lei e do Estado de Direito.
Na América dos anos 30, Al Capone também exercia uma influência considerável sobre a Justiça, subornando funcionários judiciais e membros do júri, ao ponto de nunca ter sido condenado pelas atividades criminosas que exercia em larga escala. Foi condenado a 9 anos de cadeia apenas por crime fiscal com base nos sinais exteriores de riqueza que não eram compatíveis com os rendimentos modestos declarados. E foi a primeira vez que se aplicou uma pena de prisão pelo ilícito fiscal sem ter sido provado o crime na obtenção do dinheiro.
Para já, o despacho de pronúncia da Operação Marquês deixa José Sócrates numa posição mais confortável do que Al Capone porque considera que os milhões que recebeu não estão sujeitos a impostos e não existe qualquer ilícito fiscal. O antigo primeiro-ministro apenas é acusado de ter branqueado, ou seja, ter lavado o dinheiro “sujo” porque foi pago como contrapartida pelos corruptores.
Mas, ao contrário do que muitos agora pensam, é possível no final do julgamento e dos recursos do processo se conclua que afinal a lei não é assim tão branda e que a Justiça não é tão permeável aos interesses dos mais influentes e poderosos.
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