PME têm acesso limitado aos novos apoios ao emprego;

PME têm acesso limitado aos novos apoios ao emprego
A burocracia e a falta de liquidez dificultam ou impossibilitam o acesso das PME aos incentivos financeiros de 225 milhões de euros previstos em dois programas de apoio à formação (+Emprego e +Talento), recentemente lançados pelo Governo, com o objetivo de incentivar a criação de novos postos de trabalho e a retenção de talento. Acresce que o conjunto de incentivos agora criados é menor do que o proporcionado pelo anterior regime de apoio.
 
 
O primeiro constrangimento do acesso das empresas à medida +Emprego e ao programa +Talento é a burocracia imposta aos candidatos aos apoios financeiros.
“Qualquer tipo de apoio estatal tem, por inerência, alguma burocracia associada, a que as nossas empresas já estão habituadas. Os vários apoios financeiros que vêm sendo concedidos às empresas, designadamente via IEFP, pressupõe sempre o cumprimento rigoroso de vários requisitos e a tramitação das candidaturas conforme regulamentado, não sendo a medida +Emprego ou o programa +Talento uma exceção”, afirma à Vida Económica” Cristina Romariz, associada sénior da Cuatrecasas. 
“Apesar de o IEFP ainda não ter publicado os regulamentos destas medidas, para que as empresas possam verificar os concretos procedimentos de candidatura e os critérios para a sua apreciação, resulta já da legislação publicada no dia 23 de setembro um extenso conjunto de condições de candidatura e de atribuição dos apoios, que as empresas deverão cumprir para garantir o recebimento das prestações”, acrescenta a especialista na área laboral.
A dificuldade de acesso será mais acentuada para as “micro” e pequenas empresas: “Para as empresas que têm estrutura de Recursos Humanos, normalmente as de maior dimensão, o processo burocrático não é difícil. É todo operacionalizado na plataforma IEFP online em três momentos: Oferta do lugar em provimento; Elaboração da candidatura; Gestão administrativa do processo”, comenta Luís Miguel Ribeiro. O presidente da AEP acrescenta que “poderá ser difícil a instrução deste processo para as micro e PME que, não tendo Recursos Humanos habilitados, poderão ter de recorrer aos gabinetes de contabilidade / contabilista, incorrendo o respetivo custo desse serviço”.
 
Pagamentos faseados
 
Ambos os programas de apoio preveem o pagamento faseado dos apoios. Segundo explicou Cristina Romariz, “o pagamento de forma faseada dos apoios financeiros visa permitir a verificação ‘sob a marcha’ da manutenção pelas empresas dos requisitos necessários à sua concessão, permitindo ao Estado controlar a execução destes programas, o que é compreensível”.
“São, no entanto, sobejamente conhecidos os problemas de liquidez das PME portuguesas, parte maioritária e essencial do nosso tecido empresarial, que poderão ter, por essa razão, maior dificuldade em aceder a estes apoios, o que só se agravará se pensarmos nas empresas em processo de recuperação (seja no âmbito de processo de insolvência ou pré-insolvência), a quem a legislação também permite a candidatura”, acrescenta. 
“Para muitas destas empresas, estranguladas financeiramente, a elegibilidade para estes programas será apenas teórica. Nesta medida, no final do dia, estes apoios poderão acabar por concentrar-se em empresas mais desafogadas financeiramente, tipicamente médias ou grandes empresas, habitualmente mais acostumadas e com mais meios para navegar as burocracias associadas a estes apoios e com a folga financeira para esperar pela concessão dos mesmos”, frisa a responsável da Cuatrecasas. 
Questionada sobre a obrigatoriedade, ou não, das empresas terem de constituir provisões financeiras, Cristina Romariz esclarece: “Da nossa análise da legislação publicada, não cremos que o programa +Talento e a medida +Emprego obriguem à ‘constituição de [uma] provisão’; as respetivas Portarias parecem referir-se apenas à ‘provisão de formação profissional durante o período de duração do apoio’, no sentido de ser obrigatório proporcionar formação profissional durante o período de duração do apoio”, conclui.
Na perspetiva da AEP, “a questão da liquidez pode efetivamente ser um problema, uma vez que a primeira tranche pode ser recebida apenas após o pagamento do primeiro salário e subsídio de refeição: + talento – 1ª tranche 60%; +emprego – 1ª tranche 40%. Para além disso as 2ª e 3ª tranches só são pagas no 13º mês e 25º mês respetivamente: +talento – 2ª tranche 20%; +emprego – 2ª tranche 40%; +talento – 3ª tranche 20%; +emprego - 3ª tranche 20%”.
 “Acresce que no caso do +Talento o valor base salarial (1385,98 euros) para as micro e PME já é um valor considerável se associarmos aos restantes encargos que as empresas têm de suportar (retribuições adicionais, seguros de acidentes de trabalho e segurança social)”, aponta Luís Miguel Ribeiro.
 
Criação e manutenção líquida de emprego
 
Uma condição prévia à concessão do apoio financeiro é a realização de contrato de trabalho. Em caso de incumprimento das obrigações, como, por exemplo, Segundo Luís Miguel Ribeiro, “perante incumprimento a empresa é obrigada a ficar com o trabalhador e terá de devolver o valor recebido. Quanto à questão da Formação Profissional, mesmo que a empresa não consiga assegurar as 40 horas por uma entidade formadora certificada, a questão poderá ser ultrapassável, uma vez que permite que a mesma seja suprimida mediante o acompanhamento de um tutor nomeado pela entidade promotora por um período de três meses. Quanto aos outros requisitos, são efetivamente limitadores, pois obrigam à criação e manutenção líquida de emprego por um período bastante significativo, não permitindo que haja dispensa de trabalhadores por motivos da responsabilidade da empresa (despedimentos coletivos, por extinção de posto de trabalho, por inadaptação…). Caso aconteça o referido anteriormente e haja interesse em manter o trabalhador que foi alvo das referidas medidas vai ter de devolver os apoios recebidos”.
Para Filipa Matias Magalhães, assistente convidada da Universidade de Aveiro e formadora na área laboral da “Vida Económica/Business Scholl”, “se é verdade que o pagamento faseado dos apoios financeiros pode ser interpretado como um obstáculo no acesso a estes apoios, afastando destes as empresas com menos capacidades financeiras, também não é menos verdade que, frequentemente o acesso a apoios e até mesmo a manutenção de alguns postos de trabalho é insustentável, e isso é visível, na quantidade de vezes em que os postos de trabalho – com ou sem apoios – são criados e depois não são mantidos e os compromissos assumidos com os trabalhadores não são respeitados, levando a muitas situações de não pagamento dos salários devidos ou incumprimento de outras regalias salariais”.
“Analiso e retiro destes diplomas este importante alerta para que as empresas se estruturem e criem apenas os postos de trabalho cujos compromissos sejam capazes de honrar, que conheçam e respeitem, não só os seus deveres relativamente aos trabalhadores decorrentes do Código do Trabalho, como também os decorrentes dos IRCT e que os cumpram e tenham consciência dessa responsabilidade. Aliás, esta era uma das medidas da Agenda para o Trabalho Digno – o respeito não só pelas regras do Código do Trabalho, como também pelas obrigações decorrentes dos IRCT aplicáveis”, conclui a mesma responsável.
 
O que era necessário fazer
 
Ouestionado sobre o que seria necessário fazer para que estes apoios financeiros ao emprego atingissem os objetivos para que foram criados, o presidente da AEP afirma: “Assumindo que a medida +Talento é dirigida essencialmente aos mais jovens, com formação superior com pelo menos o grau de licenciatura e visa reter os mesmos no nosso país, não deveria ter as limitações que levam ao incumprimento, nomeadamente, as relacionadas com a criação e a manutenção líquida dos postos de trabalho por parte da entidade promotora”.
“No caso da medida +Emprego se a entidade promotora conseguir provar que a pessoa que vai ser dispensada por não ter perfil para assumir outra função, nomeadamente a ocupada pela pessoa apoiada nesta medida, não teria de devolver o apoio financeiro concedido.”
“Em suma, a AEP mantém forte preocupação e apreensão pela continuidade da falta de flexibilidade em medidas fundamentais para o melhor funcionamento do mercado de trabalho e, consequente melhoria de competitividade das empresas, num mundo repleto de incertezas e amplamente concorrencial”, conclui Luís Miguel Ribeiro.


CCP defende divulgação eficaz das medidas
 
Na perspetiva da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, “a burocracia para o acesso a financiamentos é sempre significativa, embora constante no que se refere a esta tipologia de apoios. Claro que as empresas de menor dimensão têm sempre maior dificuldade, mas se houver uma divulgação eficaz destas medidas, não nos parece que a burocracia só por si seja uma condicionante. Outras condicionantes, como a manutenção do nível de emprego, que é uma condição de muitas das medidas de apoio ao emprego, tem um efeito mais negativo, principalmente em alturas de maior incerteza quanto à evolução da economia. Outro ponto para nós negativo é a redução dos períodos de estágio, de nove para seis meses, uma vez que nos parece um prazo muito reduzido para os objectivos pretendidos, nomeadamente, melhorar a empregabilidade dos estagiários”, afirma João Videira Lopes, presidente da CCP.

 

“Por outro lado, as exigências de manutenção dos níveis de emprego, por um período alargado, num contexto não só de incerteza como de transformações aceleradas, podem, igualmente, conduzir a alguma retracção na procura destes apoios pelas empresas”, acrescenta.


Presidente da Região Sul da Ordem dos Engenheiros considera

 

PME têm mais dificuldade em reter talento

 
“Portugal possui, ainda, uma elevada taxa de desemprego entre os jovens razão pela qual todas as iniciativas que conduzam à retenção talento e dos jovens em Portugal, são bem-vindas”, afirma à “Vida Económica” António Carias de Sousa.
 Segundo o presidente da Região Sul da Ordem dos Engenheiros, contrariamente a outras profissões, a Engenharia possui pleno emprego, pelo que o desafio não passa por encontrar estágios ou apoiar as empresas em benefícios para a sua contratação, passa sim pela melhoria significativa das remunerações, e criação de condições para a valorização e progressão nas carreiras.  Se não valorizarmos rapidamente a profissão, vamos continuar a acumular défice na formação e a deixar partir para o exterior jovens altamente bem qualificados”.
Falando em concreto da medida +Emprego, “esta iniciativa visa essencialmente munir as empresas de capacitação em tecnologias digitais em todas as áreas empresariais. Parece-nos clara a necessidade de agilizar todos os procedimentos, pois o nosso tecido empresarial assenta essencialmente em pequenas e médias empresa, que se debatem dia a dia com dificuldades de tesouraria. As novas tecnologias envolvem essencialmente áreas da engenharia, razão pela qual todos os programas que apoiem a renovação e evolução das nossas empresas, incorporando o conhecimento tecnológico são prioritárias para a competitividade do país”. 
Relativamente à retenção de talento, António Carias de Sousa entende que ela passa “essencialmente por criar condições que motivem os jovens a ficar no seu país. Temos excelentes academias e os nossos estudantes são desafiados a emigrarem para países e empresas que lhes proporcionam apoios e condições para se dedicarem à aplicação do seu conhecimento”. 
“Naturalmente, empresas mais robustas possuem melhores capacidades para responder às motivações dos jovens, através de remuneração justa e outros benefícios complementares. Em Portugal, as empresas multinacionais instaladas já proporcionam benefícios como a habitação para os seus quadros, mas temos de ter a consciência que as nossas PME não possuem disponibilidades para concorrer em pé de igualdade. Políticas governamentais que proporcionem aos jovens benefícios são um dos caminhos para incentivar a retenção, mas nunca será somente por esse meio que evitamos a exportação do talento. Concordo que os nossos jovens tenham experiências internacionais, mas o relevante é que, após essa experiência, retornem a Portugal. É imprescindível que o balanço entre o talento que sai e o que regressa seja favorável ao nosso país”, conclui.

VIRGÍLIO FERREIRA virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt, 03/10/2024
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