A figura das TA em IRC, que se saiba, não tem paralelo, nem congénere em mais nenhum outro ordenamento tributário.
O legislador criou esta figura tendo em vista, numa primeira fase, finalidades estritamente anti abusivas e penalizadoras, aptas a prosseguir objectivos de combate à evasão fiscal, incidindo sobre as despesas confidenciais ou não documentadas das empresas, sujeitando as mesmas à taxa de 10%.
Numa segunda fase, com a reforma fiscal de 2000, levada a cabo pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro, as TA vieram a ser incluídas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), tendo visto um alargamento progressivo do seu âmbito de incidência.
Actualmente, as TA encontram-se vertidas no artigo 88.º do CIRC, artigo que veio progressivamente a sofrer alterações, passando a abranger diversas situações, a taxas diferenciadas, como encargos com viaturas, despesas de representação, pagamentos a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal mais favorável, indemnizações e compensações a gerentes e ainda um agravamento de taxa em caso de prejuízo fiscal.
As taxas são diferenciadas, encontrando-se previstas em cada número do artigo 88.º CIRC. Em caso de prejuízo fiscal as taxas apuradas serão agravadas em 10 pontos percentuais (n.º 14). Para este efeito, em caso de aplicação do Regime Especial Tributação Grupos Sociedades é considerado o prejuízo fiscal do grupo (apurado nos termos do artigo 70.º do CIRC) e não de cada sociedade individualmente. Quando se trate de sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado (n.º 15) - o agravamento de taxa previsto no n.º 14 esta excluído. Fora do âmbito das TA estão as despesas e encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à actividade exercida pelo seu intermediário (n.º 16). Igualmente excluídos das TA estão as realidades previstas nos n.ºs 7, 9, 11 e 13 do artigo 88.º do CIRC. A liquidação das TA é efectuada nos termos do artigo 89.º do CIRC, tendo por base os valores e taxas resultantes das diversas alíneas do artigo 88.º do CIRC, não se admitido quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que resultantes de legislação especial, conforme dispõe o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC
Esta figura assume uma relevância ímpar no ordenamento jurídico-tributário, quer no plano anti-abusivo, quer porque a receita arrecada com as TA é cada vez mais significativa e relevante para a consolidação das contas públicas.
Se por um lado, a figura das TA tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos, por outro lado, a receita gerada pelas mesmas, de acordo com a informação disponível no Portal da Autoridade Tributária e Aduaneira, entre 2005 e 2016, as mesmas representaram uma receita (crescente) de 198 milhões de euros em 2005 para 541 milhões de euros em 2018 (último exercício com informação disponível).
Contudo, desde o seu nascimento, as TA sempre foram pacificamente aceites pelos contribuintes e restantes actores do plano fiscal, e um tema a que a doutrina fiscal não havia dado grande relevância, pese embora a importância cada vez mais significativa da receita das mesmas nas contas públicas.
Dado o seu intuito claramente anti-abusivo, os contribuintes nunca questionaram as mesmas, mesmo com o alargamento progressivo do âmbito das TA, nomeadamente no que concerne às despesas de âmbito difuso entre a intersecção empresarial e pessoal, conformando-se com as finalidades que presidiram à criação das mesmas.
Com efeito, durante muitos anos, esta aceitação pacífica e generalizada pelos contribuintes, promovia a inexistência de uma eventual litigiosidade com a AT, na medida em que a prova das mesmas sempre se revelaria difícil de fazer, o que levaria a situações de incerteza e cuja resolução judicial se prolongaria no tempo.
Assim, os contribuintes, motivados pela segurança da norma, sabiam qual a tributação associada a determinadas despesas e encargos, pelo que, ao abrigo das opções de gestão por si tomadas, nelas incorrendo, aceitavam-nas.
Desde a sua criação, nunca os profissionais com a missão de contabilizar, apurar e fiscalizar os impostos devidos questionaram as TA, inclusivamente o próprio programa informático de suporte às declarações Modelo 22 de IRC, que permite o apuramento e liquidação das TA, que se saiba foi questionado. Paralelamente, não obstante o alargamento progressivo do âmbito de incidência das TA e das respectivas taxas nada fazia contar com qualquer grau de litigiosidade administrativa ou judicial envolvendo as mesmas.
Porém, a partir do final de 2008, tudo mudou e podemos mesmo afirmar que as TA nunca mais foram vistas da mesma maneira, vindo desde essa data a ser questionadas, administrativa e judicialmente, levando a que diversas instâncias judiciais (centro de arbitragem administrativa, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Central Administrativo, Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional), já se tenham vindo a pronunciar sobre as TA e, ao que tudo indica, esta temática não voltou ainda a pacificar-se.
Assim sendo, importa analisar o que terá levado a esta mudança de paradigma e tenha posto em causa a (serena) visão comportamental dos contribuintes face às TA.
Mesmo com as inúmeras alterações que foi sofrendo, desde o seu nascimento em 1990 e à sua inclusão o CIRC em 2000, nomeadamente quanto ao âmbito de incidência e ao aumento das taxas, foi o aumento das taxas de TA aplicáveis a despesas de representação e com viaturas da taxa de TA de 5% para 10% em 2008, pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, que veio alterar o então artigo 81.º do CIRC (actual artigo 88.º do CIRC), retroagindo os seus efeitos a 1 de Janeiro de 2008, que levou os contribuintes a alterar a visão e o comportamento existente acerca das TA, e que obrigou, igualmente, os tribunais e a doutrina adminsitrativa a pronunciar-se sobre o tema.
Vigorando no ordenamento jurídico tributário português, e com consagração constitucional, o princípio da não retroactividade das normas fiscais, foi então suscitada a questão da constitucionalidade daquela alteração, junto do Tribunal Constitucional, porquanto aquela Lei, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 6 de dezembro de 2008, produzia efeitos a 1 de janeiro daquele mesmo ano de 2008.
A Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro agravou para o dobro (de 5% para 10%) a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação.
O agravamento para o dobro da taxa de TA incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, em virtude daquela Lei e os efeitos, nomeadamente financeiros daí decorrentes, numa economia à data já débil e a caminhar para um resgate financeiro (o que veio a ocorrer em 2011), a par do seu peso na economia das empresas e do cada vez maior âmbito de incidência das mesmas, foram o motor de arranque para o destaque que as TA têm vindo a ter nos últimos anos, bem como o facto da Lei de 5 de Dezembro, com entrada em vigor a 6 de Dezembro, produzir efeitos a 1 de Janeiro daquele ano (2008).
Não obstante as TA não incidirem sobre o rendimento de entidades sujeitas a IRC, mas sobre determinadas despesas e encargos, encontram-se inseridas no CIRC, sendo que o respectivo apuramento e liquidação ocorre no final do período de tributação, i.e., 31 de dezembro de cada ano (ou no final do ano fiscal, caso não seja coincidente com o ano civil) nos termos previstos no artigo 89.º CIRC. Assim, e com o aumento da taxa de TA em vigor a partir de 6 de dezembro de 2008, importava esclarecer qual a taxa de TA a vigorar naquele ano fiscal, uma vez que houve alteração da mesma no decurso do ano fiscal, o que vale por dizer se estaríamos perante uma norma com efeitos retroactivos, doravante inconstitucional.
O TC chamado a pronunciar-se, abordou a natureza e qualificação das TA, o que se revelou como a pedra de toque para a problemática aqui abordada, pois que nessa medida começaram a surgir interpretações e correntes discordantes face ao entendimento até aí existente sobre as TA.
E, salvo melhor opinião, de forma totalmente legítima, porque durante muitos anos as TA foram uma mera evidência e nunca uma questão alvo de qualquer estudo ou abordagem científica verdadeiramente intrínseca.
Os arestos proferidos pelo TC (acórdãos n.º 310/2012, 382/2012 e 617/2012, do TC) versando sobre a questão da retroactividade da alteração legal das taxas de tributação autónoma introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, sustentaram que as tributações autónomas, sendo IRC, tributam despesa e não rendimento, atribuindo-lhe características e finalidades bem distintas da tributação do rendimento das empresas.
Em reforço desta posição atente-se à declaração de voto do juiz Vítor Gomes no Acórdão do TC n.º 18/2011, proc.º 204/2010, sobre TA, onde o mesmo afirma que «Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa [art.º 88.º] respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (…)» e mais adiante «Com efeito,, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença.(…)»
Autonomia essa que foi confirmada, em acórdão proferido em 13 de abril de 2016, no Acórdão do TC n.º 197/2016, proc. n.º 465/2015, em relação à taxa aplicável às despesas abrangidas pelo n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, onde conclui o Tribunal que: “A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência que a recorrente lhe atribui de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.”
Na sequência da decisão do TC que refere que “as tributações autónomas sendo IRC tributam despesa e não rendimento” verificou-se o início de uma litigância administrativa e judicial sem precedentes envolvendo esta figura.
Numa primeira fase - até ao final de 2013 - partindo da asserção do TC de que as TA tributavam despesa (e não rendimento), os contribuintes pretendiam deduzir os montantes suportados a título de TA no cálculo do lucro tributável sujeito a IRC.
Fundamentando que o artigo 45.º n.º 1, al. a) do CIRC, na redação em vigor até à Lei n.º 2/2014 de 16 Janeiro, estabelecia que não seriam dedutíveis os encargos com o IRC e com outros impostos sobre o lucro.
Ora, quer a doutrina fiscal, quer o TC, quer a própria AT defendiam que as TA incidiam sobre certas despesas e a sua autonomização perante o IRC. Podendo as TA serem autonomizadas do IRC e perante a realidade consensual de que as TA tributavam despesa e não rendimento, importava saber se a previsão normativa do 45.º do CIRC abrangia ou não as TA
Com efeito, pese embora esta interpretação de que as TA, ao não estarem na norma de exclusão do artigo 45.º n.º 1, al. a) do CIRC seriam dedutíveis ao lucro tributável por incidirem sobre despesas, nunca tenha surgido antes e, nem a AT ou os tribunais tenham vindo a ser chamados a dirimir o assunto, a questão ora suscitada afigurou-se-nos compreensível e relevante. Não obstante o próprio programa informático da AT de suporte à apresentação das declarações Modelo 22 de IRC não possibilitar tal dedução, o que, caso não tivesse sido pacífica a interpretação do sentido da lei, teria havido, por certo, desde então, controvérsias várias sobre os termos da sua aplicação.
Efectivamente, a declaração Modelo 22 de IRC sempre fez a separação entre IRC liquidado/ IRC a pagar ou a recuperar e as tributações autónomas, por estas consistirem em taxas que incidem sobre factos autónomos, logo, não podendo ser contabilizadas juntamente com a componente do IRC que incide sobre o rendimento.
Submetida a questão à apreciação do tribunal arbitral, junto do Centro de Arbitragem Administrativa, a mesma gerou dezenas de decisões que, apreciada a questão de mérito suscitada, concluíram pela indedutibilidade fiscal dos encargos suportados com TA para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas. Instada a se pronunciar acerca da natureza das TA, a instância arbitral, em síntese, decidiu que, pese embora as TA não serem IRC stricto sensu, o seu espírito subjaz ao espírito do IRC, pelo que a correcta articulação e integração no sistema do IRC determinará que as normas, por terem assumidamente um carácter anti-abuso, devem seguir a regra do IRC que não permite a sua dedução ao apuramento do imposto, logo, acompanhando o raciocínio, de que as TA não devem ser deduzidas ao IRC (vejam-se, por exemplo, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 79/2014-T e 95/2014-T).
Em face do exposto, a questão da dedutibilidade das TA ao lucro tributável ficou então sanada: nos períodos de tributação até 2013, pela jurisprudência, na medida em que a posição dominante concluiu no sentido da não dedutibilidade das TA à colecta do IRC; e, por via legislativa, a partir de 2014, com a inclusão das TA na alínea a) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC.
Esclarecida, pois que ficou, a questão da não dedutibilidade das TA ao cálculo do lucro tributável em IRC, a figura das TA não voltou a assumir o seu caracter pacífico, pois que, a alteração ao artigo 23.º-A do CIRC com a inclusão expressa das TA enquanto IRC veio despoletar novas reacções dos contribuintes sobre esta temática.
Surgiram, então, novas questões controvertidas, recentemente alvo de apreciação e decisão de uniformização jurisprudencial pelo Supremo Tribunal Administrativo, que serão abordadas em futuramente.
Desde logo, colocou-se a questão de saber se os benefícios fiscais serão dedutíveis ou não à colecta produzida pela TA, em caso de insuficiência de colecta de IRC.
Com efeito, se os tribunais e, actualmente, o próprio CIRC afirmam que as TA são IRC, importaria aferir em que exacta medida o são, pelo que, reagindo à qualificação jurisprudencial e literal ínsita no CIRC a respeito das TA serem IRC, vieram os contribuintes, pugnando por um critério de coerência, solicitar, nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, a dedução à colecta das TA (enquanto IRC) do Pagamento Especial por Conta (PEC) e de benefícios fiscais, nomeadamente SIFIDE, RFAI e CFEI, nos casos em que a colecta de IRC se revela insuficiente para deduzir aqueles montantes apurados a título de PEC e/ou benefícios ficais.
Foi ainda submetida à apreciação arbitral (e posteriormente alvo de apreciação para uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Administrativo) a existência ou não de uma presunção incidente sobre as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos n.º s 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC (despesas e encargos com a utilização de veículos na actividade operacional das empresas) tendo em vista saber se tais normas constituem normas de incidência tributária consagram uma presunção que seja passível de prova em contrário.
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