Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio pode gerar ganhos de produtividade em Portugal
As consequências das alterações climáticas e como nos adaptamos no sector agrícola a esse condicionalismo. Este é o maior desafio identificado durante a elaboração da Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio.
Gonçalo Morais Tristão, presidente do COTR – Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio, considera que “o resultado da implementação das diversas ações deverá permitir uma redução do impacto ambiental do regadio”.
Vida Económica - Quais foram os principais desafios identificados durante a elaboração da Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio, e como esses desafios influenciaram as prioridades de investigação e investimento?
Gonçalo Morais Tristão - O maior desafio que foi identificado tem a ver com as consequências das alterações climáticas e como nos adaptamos no sector agrícola a esse condicionalismo. De facto, a diminuição da pluviosidade, o aumento da temperatura (e da evapotranspiração das plantas), a maior regularidade de ocorrência de fenómenos climáticos extremos trazem um enorme desafio à agricultura, para que continue o caminho da eficiência e de ganhos de produtividade. Neste contexto, seria de esperar que as medidas e ações propostas no âmbito da Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio fossem uma resposta às dificuldades que se apresentam à agricultura.
VE - De que forma a nova agenda pode contribuir para melhorar a sustentabilidade e eficiência no uso da água no regadio em Portugal, e quais são as áreas mais críticas para se alcançar esse objetivo?
GMT - A Agenda surge da constatação que apenas a partir do conhecimento, da investigação e inovação, da tecnologia e da formação entre todos os agentes envolvidos será possível alcançar um modelo de crescimento mais equilibrado e sustentável do regadio. Neste sentido, a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio pretende delinear um conjunto de estratégias e de ações no setor do regadio que configurem mudanças estratégicas e que permitam, por um lado, a resolução de problemas e conflitos, e por outro, identificar e divulgar boas práticas a implementar e outras já implementadas.
O resultado da implementação das diversas ações deverá permitir uma redução do impacto ambiental do regadio em relação ao nível atual e o desenvolvimento de uma agricultura tecnológica de referência, onde os vetores da eficiência, da produtividade, da sustentabilidade e da adaptação às alterações climáticas sejam uma constante. Cada um destes vetores está presente na formulação das ações identificadas como importantes, sendo umas mais difíceis de concretizar que outras.
Talvez as áreas mais críticas sejam aquelas em que está subjacente uma componente de investimento ou financiamento público. Por exemplo, o caso de reabilitação ou modernização dos aproveitamentos hidroagrícolas públicos, medida absolutamente imprescindível para tornar o regadio colectivo mais eficiente, mas que está muito dependente de financiamentos públicos do Estado ou através dos fundos europeus. Porventura, e a Agenda não tem esse pormenor, devem ser estudadas outras vias para recorrer a financiamento.
Interação com outras entidades
VE - A agenda pretende influenciar políticas públicas e investimentos. Como o COTR pretende colaborar com o governo e outras entidades para garantir que essas recomendações se traduzam em ações concretas?
GMT – O COTR conquistou ao longo da sua história de 25 anos, uma capacidade de interagir com outras entidades e uma competência técnica que o posicionam num lugar privilegiado no panorama do regadio nacional. Estas duas características devem-se, em primeiro lugar, ao facto do COTR ser, na sua génese, uma verdadeira parceria público-privada, onde se associam os agricultores regantes, representados pelas suas associações, e organismos do Ministério da Agricultura, como a DGADR e o INIAV, a EDIA, entidades do ensino científico, outros organismos da administração local e empresas. Esta parceria tem funcionado bem, havendo uma grande interligação, de trabalho e de projectos, nomeadamente, com a DGADR, a EDIA e o INIAV, entidades primordiais no sector do regadio e da transmissão do conhecimento. Por outro lado, a competência técnica que foi sendo adquirida ao longo do tempo, e impulsionada no início de vida do COTR pelo Eng.º Isaurindo Oliveira, é a trave-mestra para o COTR ser hoje reconhecido como Centro de Competências para o Regadio Nacional. Este perfil do COTR tem facilitado o trabalho de colaboração com os vários governos e os diferentes organismos públicos, em diversas ocasiões e com distintos objetivos, pelo que, julgo, não me parece ser uma tarefa muito difícil conseguir uma forma de garantir que as ações e as medidas propostas na Agenda possam ser discutidas e implementadas.
Uso mais sustentável dos recursos hídricos
VE - O uso sustentável dos recursos hídricos é um ponto central da agenda, especialmente face às alterações climáticas. Que soluções inovadoras e tecnológicas a agenda propõe para mitigar o impacto ambiental da rega?
GMT - É importante referir que a Agenda não concretiza soluções, aponta caminhos e ideias, estratégias e ações que permitam chegar a soluções que se traduzam num uso mais sustentável dos recursos hídricos. Nesse sentido, a Agenda contém muitas ações que visam reduzir alguns impactos negativos. É, por exemplo, esse o objectivo de uma medida onde se propõe a modernização dos equipamentos de bombagem de água para permitir a redução dos combustíveis fosseis e da emissão de gases de estufa e o recurso a energias renováveis.
Na Agenda, também é sugerida a adopção e promoção de soluções de retenção de água, mais baseadas na natureza, e otimização do desempenho em infraestruturas verdes. É ainda disso exemplo, uma medida que pretende promover o conhecimento acerca dos impactos ambientais e económicos das culturas e os sistemas agrícolas em contexto de alterações climáticas e criar indicadores de gestão de risco. É também o caso de medidas em que se pretende a implementação de técnicas de conservação e de melhoria da fertilidade dos solos e a valorização da recirculação e aproveitamento da água ao nível da rede terciária, como medida de proteção do recurso água.
Para além deste tipo de ações, na elaboração da Agenda considerou-se que também seria importante desenvolver estratégias de comunicação para transmitir uma nova imagem e valor do regadio (externalidades positivas do regadio: paisagem, produção de alimentos, biodiversidade, proteção do meio rural, turismo, gastronomia e costumes), com ações e meios dirigidos ao grande público, a profissionais da comunicação social e ao ensino, em geral, e secundário, em particular.
Acompanhamento das medidas de ação
A expectativa do COTR, e das entidades que contribuíram para a elaboração da Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio, é a de que a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio “possa, efectivamente, servir de referência para a orientação de políticas públicas e de base para estudos e projectos que, políticas e projectos, resultem, nalguns casos, em ganhos de produtividade das culturas instaladas e, noutros, quando os recursos hídricos escasseiam, em manutenção da produtividade. Todos sentimos, porém, a necessidade que a implementação da Agenda seja acompanhada de modo a ser verificado cumprimento dos seus objectivos e a concretização das ações. Só assim é que a Agenda terá impactos positivos no regadio em Portugal”.
Ações e áreas temáticas: Disponibilidade e Qualidade dos Recursos Hídricos; Inovação e Melhoria das Infraestruturas Hidráulicas e de Rega; Sustentabilidade e Rentabilidade do Regadio; Tecnologias e Sistema de Informação de Suporte ao Regadio; Formação, Comunicação e Divulgação.
“Não se pretende que a Agenda seja um documento fechado, datado no tempo. O objectivo é criar uma certa dinâmica, de modo a que o documento seja revisitado regularmente e que as propostas de medidas e ações possam ir sendo actualizadas”, conclui o presidente do COTR.