Regime do acréscimo ou periodização económica
O regime do acréscimo
Estando a decorrer o período de preparação das prestações de contas das empresas, importa relembrar um tema pertinente para esta fase: a aplicação do regime do acréscimo ou periodização económica no âmbito do direito a férias dos trabalhadores.
O regime do acréscimo ou periodização económica encontra-se previsto no § 22 da Estrutura Conceptual e refere o seguinte: “... A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas...”.
Basicamente, os gastos e os rendimentos devem ser reconhecido quando incorridos ou obtidos, independentemente do momento em que ocorra a sua prestação financeira, isto é, o seu pagamento ou recebimento.
Este princípio contabilístico é acompanhado pelo normativo fiscal, mais precisamente o artigo 18º do Código do IRC. Os números 1 e 2 do artigo 18º do Código do IRC determinam o seguinte:
“… 1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas…”
A análise das diversas operações no âmbito do regime do acréscimo é determinante para efeitos de apresentação de demonstrações financeiras. As demonstrações financeiras retratam os efeitos financeiros das transações e de outros acontecimentos. Assim, os rendimentos e os gastos são apresentados na demonstração dos resultados de formas diversificadas, a fim de proporcionar informação que seja relevante para a tomada de decisões económicas. Esta diversificação é feita na base de que a origem de um item é relevante na avaliação da capacidade da entidade gerar caixa ou equivalentes de caixa no futuro.
Tal procedimento é também imprescindível para o correto apuramento do resultado tributável do período, uma vez que a dedutibilidade fiscal de qualquer encargo deve respeitar o regime do acréscimo.
NCRF 28 – Benefícios dos empregados
Do ponto de vista contabilístico e no âmbito dos gastos com o pessoal, importa analisar o disposto na NCRF 28 – Benefícios dos empregados.
A NCRF 28 exige que uma entidade reconheça um gasto quando a entidade consumir o benefício económico proveniente do serviço proporcionado por um empregado em troca dos benefícios dos empregados e um passivo quando um empregado tiver prestado serviços em troca de benefícios dos empregados a serem pagos no futuro.
Os benefícios dos empregados serão todas as formas de remuneração atribuídas por uma entidade em troca do serviço prestado pelos empregados.
Os benefícios em que existe a obrigação imediata (ou quase) de pagamento depois do trabalho prestado pelo empregado serão ser os salários, os prémios, subsídios de alimentação, as contribuições para a segurança social, etc..
Por sua vez, os benefícios reconhecidos como gastos do período que serão pagos no período seguinte (no prazo de 12 meses), indicamos os encargos com férias, subsídio de férias, gratificações de balanço (participações nos lucros), situações cujo direito foi adquirido no período corrente, mas em que o pagamento ocorrerá no período seguinte.
Em termos de reconhecimento e mensuração os benefícios de empregados de curto prazo serão sempre contabilizados pelos respetivos valores nominais, pois existe a previsão de que os mesmos sejam pagos até ao final de 12 meses do final do período em que foi realizado o serviço pelo empregado, e não existem quaisquer pressupostos atuariais.
A legislação laboral
No Código do Trabalho, a matéria relativa a “Férias” encontra-se prevista nos artigos 237º a 247º.
O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro. O direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço. Como regra, o direito a férias é irrenunciável e o seu gozo não pode ser substituído, sem prejuízo de alguma exceção prevista.
Neste sentido, o trabalhador adquire o direito a férias no ano anterior àquele em que efetivamente as goza e em que a entidade patronal suporta o respetivo contrato.
O desfasamento temporal existente entre o período em que os trabalhadores adquirem o direito a estas remunerações pelo trabalho prestado e o momento em que se vencem tais direitos, conduz à necessidade de cumprimento, do ponto de vista contabilístico ao regime do acréscimo ou periodização económica. Referimo-nos às remunerações do mês de férias, o subsídio de férias e as contribuições para a Segurança Social relativa a essas rubricas, gastos que deverão ser registados por estimativa nas respetivas contas conforme a sua natureza, uma vez que respeitam a obrigações presentes que irão ser pagas no futuro.
Tais estimativas deverão ter por base a situação em concreto, isto é resultam de uma análise casuística.
No ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato. Não pode resultar o gozo, no mesmo ano civil, de mais de 30 dias úteis de férias, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
No caso de a duração do contrato de trabalho ser inferior a seis meses, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato, contando-se para o efeito todos os dias seguidos ou interpolados de prestação de trabalho. Neste caso, as férias são gozadas imediatamente antes da cessação do contrato, salvo acordo das partes.
Como regra geral, as férias são gozadas no ano civil em que se vencem, contudo, as férias podem ser gozadas até 30 de Abril do ano civil seguinte, em cumulação ou não com férias vencidas no início deste, por acordo entre empregador e trabalhador ou sempre que este as pretenda gozar com familiar residente no estrangeiro. Pode ainda ser cumulado o gozo de metade do período de férias vencido no ano anterior com o vencido no ano em causa, mediante acordo entre empregador e trabalhador.
As informações aqui referidas estão previstas no Código do Trabalho, havendo sempre que avaliar a situação em concreto, nomeadamente disposições contratuais e outras fontes aplicáveis, por exemplo, convenções coletivas de trabalho.
Para efeitos de aplicação do regime do acréscimo, haverá que acautelar as diversas especificidades que se apresentem, por exemplo, no ano de admissão do trabalhador, se é contrato de trabalho com termo certo ou sem termo e outras especificidades que possam ser aplicáveis.
No ano de admissão deverão ser acrescidos todos os direitos inerentes, designadamente o direito pelo trabalho desenvolvido (2 dias por cada mês trabalhado) e o direito pelo vencimento das férias (um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro). Ou seja, no ano de admissão, do ponto de vista contabilístico haverá uma espécie de duplicação de gastos, sendo estes dedutíveis em termos fiscais em obediência ao regime do acréscimo e legislação laboral aplicável.
Independentemente do tipo de contrato, aquando do encerramento do exercício, deverá ser aferido se há intenção de manter ou renovar os contratos de trabalho vigentes. No caso de contratos sem termo, essa aferição já está automaticamente efetuada, no caso do contrato de termo certo ou do contrato de tempo incerto, pode existir uma duração superior aquela que estava inicialmente prevista. Por exemplo, num contrato a termo certo, a entidade já pode ter inerente que o contrato é efetivamente para terminar ao fim do prazo nele estipulado, ou então com o desenrolar do desempenho do colaborador e da própria atividade da empresa, chegar à conclusão que o contrato será renovado ou até mesmo, substituído por um segundo contrato (por exemplo um contrato sem termo). E o mesmo pode ocorrer com os contratos a tempo incerto.
Face ao exposto, o regime do acréscimo está diretamente relacionado com os pressupostos de continuidade de prestação de trabalho pelos colaboradores da empresa. E será com base nestas informações que se deverá proceder à estimativa de tais encargos. Todos os elementos atrás referidos são importantes para o cálculo dos valores a considerar a título de estimativa de férias, subsídio de férias e respetivos encargos com a segurança social.
Os registos contabilísticos
O direito a férias implica o pagamento de férias - mês de férias e respetivo subsídio de férias - que resulta do trabalho prestado no exercício anterior àquele em que o direito vai ser gozado. Neste sentido, devem ser estimados os gastos com férias e subsídio de férias, bem como os encargos correspondentes, referentes ao exercício em questão mas que só irão ser liquidados no período seguinte, por ser nesse período que se vencem esses direitos para o trabalhador.
Vejamos, no ano de 2022 o trabalhador adquire o direito às férias que irão ser gozadas em 2023. Assim, na esfera da entidade patronal, haverá que considerar o gasto com tais direitos em 2022, ainda que este só venha a ser liquidado em 2023.
Tal estimativa deverá ter por base a informação disponível à data, quer expetativa quanto a prazos de contratos, quer quanto a variações dos salários.
Poderá ser criada a subconta 639 para suportar a estimativa de férias, subsídio de férias e respetivos encargos, podendo esta ser ramificada por trabalhador ou grupo de trabalhadores (órgãos sociais e pessoal) e por cada um dos encargos. O mesmo raciocínio no âmbito da 2722 - Devedores e credores por acréscimos (periodização económica) – Credores por acréscimos de gastos.
Tal registo contabilístico, de estimativa de férias, subsídio de férias e respetivos encargos pode ser realizado numa base anual, ou por duodécimos. Assim como o pagamento, tanto poderá ocorrer numa base anual, pago numa única vez, como por duodécimos, pago ao longo dos 12 meses.
Importa que os diversos agentes económicos procedam às estimativas necessárias por forma ao pleno cumprimento do regime do acréscimo.
A conta 2722 apresentará um saldo credor ou nulo, pois é uma conta de transição de um período contabilístico para o seguinte, acolhendo valores temporários de gastos a pagar. O saldo credor da conta 2722 - Credores por acréscimos de gastos, será apresentado no Balanço em passivo corrente.
Alteração de estimativa/ correção de erros
Quando, em determinado momento, se verifique que as Demonstrações Financeiras não estão de acordo com a realidade, teremos que avaliar se se trata de uma alteração de estimativa ou da correção de um erro, nos termos previstos na NCRF 4 - Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros.
Consideram-se erros de períodos anteriores as omissões, e declarações incorretas, nas demonstrações financeiras da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação fiável que estava disponível quando as demonstrações financeiras desses períodos foram autorizadas para emissão e poderia razoavelmente esperar-se que tivesse sido obtida e tomada em consideração na preparação e apresentação dessas demonstrações financeiras. A correção de um erro material de um período anterior é excluída dos resultados do período em que o erro é detetado, sendo efetuada diretamente em resultados transitados.
Por sua vez, uma alteração de uma estimativa contabilística é um ajustamento na quantia escriturada de um ativo ou de um passivo, ou a quantia de consumo periódico de um ativo, que resulta da avaliação do presente estado dos ativos e passivos, e obrigações e benefícios futuros esperados associados aos mesmos. As alterações nas estimativas contabilísticas resultam de nova informação ou novos desenvolvimentos e, em conformidade, não são correções de erros. Uma alteração de estimativa deve ser refletida prospectivamente, nos resultados do período em causa e em períodos futuros.
Nas situações em que a estimativa de férias é superior ou inferior ao valor efetivamente pago, esta diferença é tratada como uma alteração de estimativa contabilística, efetuando-se um tratamento prospetivo, com reconhecimento nos resultados do período da alteração. O valor relativo à insuficiência ou excesso de estimativa reconhecida no período anterior, deverá, no ano corrente ser reconhecido como um gasto (débito da conta 63), caso estejamos perante uma insuficiência na estimativa ou a crédito da conta 63 ou de uma subconta da conta 78, caso se esteja perante um excesso na estimativa.
Do ponto de vista fiscal, o procedimento relativo a uma alteração de estimativa poderá ser analisado no âmbito do n.º 2 do artigo 18º do Código do IRC, isto é, se as informações relativas a esta alteração eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, então poderão ser fiscalmente aceites. Por exemplo, um aumento salarial extraordinário, que à data do registo da estimativa e preparação das demonstrações financeiras não era conhecido. Tal diferença, aquando do processamento do subsídio de férias será dedutível.
Por outro lado, se se concluir que os registos contabilísticos de períodos anteriores estão errados, isto é, à data da sua realização estava disponível informação fiável e esta não foi considerada, então dever-se-á proceder à correção dos mesmos, sendo que o movimento de regularização deverá ter por princípio base repor a verdade das demonstrações financeiras.
Conceptualmente, um erro é uma situação em que, apesar de existirem informações disponíveis para contabilizar de certa forma, por engano, negligência ou outra situação, não se tiveram em conta essas informações, dando origem a um erro na preparação e apresentação das demonstrações financeiras.
Para efeitos de tal correção importa verificar a sua materialidade. Serão lançados em resultados do período (conta 7881 - Outros rendimentos e ganhos ou na conta 6881 - Outros gastos e perdas - Correções relativas a exercícios anteriores) as correções não materialmente relevantes. Por sua vez, quando tais correções se consideram materialmente relevantes, estas serão reconhecidas na conta 56 – Resultados transitados, sendo assim excluídas dos resultados do período em que o erro é descoberto.
Do ponto de vista fiscal tais correções negativas não serão fiscalmente aceites por não respeitarem o regime do acréscimo previsto no n.º 1 do artigo 18º do Código do IRC. Por exemplo, determinado sujeito passivo que nunca procedeu ao registo da estimativa de férias e que, e que em determinado período procede a tal correção.
Na esfera do trabalhador
Na esfera do trabalhador, este só será tributado aquando do recebimento de tais quantias. Pelo que existirá um desfasamento entre o momento em que na esfera da entidade patronal é reconhecido o gasto (pela estimativa) e o momento em que é rendimento na esfera do trabalhador.
Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados