6,7% de crescimento? Com a verdade nos enganam
Embandeirando em arco os defensores do atraso de Portugal, bombardearam-nos com a boa notícia: Portugal cresceu 6,7% em 2022!
Contudo, em vez de regozijo o sentimento generalizado é de incredulidade já que a grande maioria sente que está a viver muito pior. O país cresce e eu pioro?
Certo que em 2021 o PIB diminuiu mas devia-se sentir alívio face ao crescimento recente. E não é isso que muitos sentem. Donde?
Contudo, em vez de regozijo o sentimento generalizado é de incredulidade já que a grande maioria sente que está a viver muito pior. O país cresce e eu pioro?
Certo que em 2021 o PIB diminuiu mas devia-se sentir alívio face ao crescimento recente. E não é isso que muitos sentem. Donde?
Donde, como frequentemente a explicação está nos pormenores. Onde Deus está sempre que lhes prestamos atenção e o diabo se instala logo que os desleixamos.
Os 6,7% (simplifiquemos para 7%) é a diferença entre o aumento do PIB per capita em valor (euros) dos bens produzidos (p.e. 15%) e o aumento dos preços, isto é da inflação (p.e. 8%). Consequentemente a diferença de 7% (15 – 8) é o aumento em volume (real).
Ou seja, os 7% são fruto de duas coisas: o valor nominal (15%) menos a inflação (8%).
Ora (primeiro): como se calcula o valor nominal? Soma-se tudo em Portugal e divide-se por ± 10 milhões de portugueses e assim se calcula a média.
Só que (e lá vêm os detalhes…) a média é uma estatística perigosa. Eu como mais um frango por semana. O amigo leitor não come mais nenhum. Em média comemos mais meio frango, cada.
Num país relativamente igual a média é indicativa. Num país desigual é um engano.
Portugal é um dos países mais desiguais do mundo. Tem mais desigualdade (medida pelo índice de Gini) que a média da OCDE. E que a média europeia. Os 20% mais ricos têm mais de 5 vezes o dinheiro dos 20% mais pobres. Cerca de 20% estão abaixo do limiar da pobreza. E segundo a ONU Portugal é o 13º país mais desigual no grupo de países com índice de desenvolvimento humano muito elevado (num total de 45 países).
Donde o PIB longe de crescer os 15% de cima para todos, cresceu (p.e.) para uma minoria 20% e para a maioria 4%.
Mas ainda assim a maioria dos portugueses melhoraram (4%), correcto?
Não necessariamente. Devido ao segundo factor: a inflação.
Recordemos que os 6,7%/7% de aumento do PIB per capita em volume são a diferença entre os 15% nominais menos o que se deve ao aumento de preços (8%).
Ora como se calcula a inflação? Com um cabaz de compras de 1300 produtos cuja evolução dos preços é avaliada pelo INE.
Assumindo (e tudo bem) duas coisas, 1) que o cabaz retrata as compras típicas dos portugueses e 2) que os preços são bem recolhidos, ainda assim fica uma terceira (que é o busílis da questão): o que é típico?
Assumamos para simplificar que em geral os portugueses gastam 40% com a alimentação e 60% com o resto (transporte, etc.). O cabaz terá 40% de produtos alimentares e 60% de outros produtos.
Mas os mais pobres não gastam 40% com alimentação. Gastam mais. Porque comem como os outros (ainda que não lagosta). E comendo o mesmo mas tendo menos dinheiro resulta que a percentagem do seu ordenado gasta com alimentação é maior que 40%, podendo ser (p.e.) 60%. (nota: na realidade no cabaz do INE a alimentação pesa 22% mas obviamente os mais pobres gastam mais que isso em alimentação).
Donde, se o preço dos produtos alimentares tiver aumentado mais que o preço dos outros bens, a inflação para os mais pobres é maior que a inflação para os mais ricos.
Logo tal como há dois aumentos de ordenado (para os ricos e pobres), também há duas inflações totalmente distintas: novamente para os ricos e para os pobres. E ambos muito diferentes num país muito desigual.
E sendo a inflação maior para os mais pobres, se os preços dos produtos de primeira necessidade crescerem mais que os outros.
Simplifiquemos. Se os preços da alimentação subirem 20% e o resto 10% e os gastos dos mais pobres for 60% para comida e 40% com o restante, e o rácio dos mais ricos for 30%-70%, a inflação dos mais desfavorecidos é 20% x 60% + 10% x 40% = 16%.
E o aumento de preços dos mais ricos é 20% x 30% + 10% x 70% = 13%.
Pelo que não só há duas inflações (para mais ricos e mais pobres) como os mais pobres pioraram.
Porque primeiro o “ordenado” teórico (em valor) não cresceu 15% mas 4%, já que há grande diversidade entre o aumento de ordenados.
E segundo porque se aos 4% se retirar 16% de aumento de preços, os mais pobres pioraram 12% (4-16 = -12) enquanto os mais ricos melhoraram o aumento de ordenado de 20% menos a inflação de 13% o que dá (20-13) 7%.
O que isto significa é que num país profundamente desigual os números gerais da economia são uma profunda mentira, ao esconder realidades completamente distintas. Quer em aumento teórico de ordenados. Quer em subida real de preços (no cabaz de compras).
E sempre assumindo (e tudo bem) a correcção do cabaz para a economia. E de recolha de preços.
Lembrando o velho ditado. Há três tipos de mentiras: grandes, muito grandes e… estatísticas. Ou se preferir, caro leitor, com a verdade nos enganam.
O seu vizinho comeu mais duas lagostas. O caro leitor mais nenhuma? Não caro leitor, não. Está enganado. Em média comeram mais uma lagosta cada um.
O preço do supermercado aumentou 20%? E o da lagosta 0%? Não, caro leitor, a sua inflação não foi 20%. Foi a média entre 20 e zero, isto é dez por cento.
Caramba… vá lá… não seja negativo e pessimista. Reconheça que está muito melhor. Parabéns e votos de bom fim-de-semana.
Os 6,7% (simplifiquemos para 7%) é a diferença entre o aumento do PIB per capita em valor (euros) dos bens produzidos (p.e. 15%) e o aumento dos preços, isto é da inflação (p.e. 8%). Consequentemente a diferença de 7% (15 – 8) é o aumento em volume (real).
Ou seja, os 7% são fruto de duas coisas: o valor nominal (15%) menos a inflação (8%).
Ora (primeiro): como se calcula o valor nominal? Soma-se tudo em Portugal e divide-se por ± 10 milhões de portugueses e assim se calcula a média.
Só que (e lá vêm os detalhes…) a média é uma estatística perigosa. Eu como mais um frango por semana. O amigo leitor não come mais nenhum. Em média comemos mais meio frango, cada.
Num país relativamente igual a média é indicativa. Num país desigual é um engano.
Portugal é um dos países mais desiguais do mundo. Tem mais desigualdade (medida pelo índice de Gini) que a média da OCDE. E que a média europeia. Os 20% mais ricos têm mais de 5 vezes o dinheiro dos 20% mais pobres. Cerca de 20% estão abaixo do limiar da pobreza. E segundo a ONU Portugal é o 13º país mais desigual no grupo de países com índice de desenvolvimento humano muito elevado (num total de 45 países).
Donde o PIB longe de crescer os 15% de cima para todos, cresceu (p.e.) para uma minoria 20% e para a maioria 4%.
Mas ainda assim a maioria dos portugueses melhoraram (4%), correcto?
Não necessariamente. Devido ao segundo factor: a inflação.
Recordemos que os 6,7%/7% de aumento do PIB per capita em volume são a diferença entre os 15% nominais menos o que se deve ao aumento de preços (8%).
Ora como se calcula a inflação? Com um cabaz de compras de 1300 produtos cuja evolução dos preços é avaliada pelo INE.
Assumindo (e tudo bem) duas coisas, 1) que o cabaz retrata as compras típicas dos portugueses e 2) que os preços são bem recolhidos, ainda assim fica uma terceira (que é o busílis da questão): o que é típico?
Assumamos para simplificar que em geral os portugueses gastam 40% com a alimentação e 60% com o resto (transporte, etc.). O cabaz terá 40% de produtos alimentares e 60% de outros produtos.
Mas os mais pobres não gastam 40% com alimentação. Gastam mais. Porque comem como os outros (ainda que não lagosta). E comendo o mesmo mas tendo menos dinheiro resulta que a percentagem do seu ordenado gasta com alimentação é maior que 40%, podendo ser (p.e.) 60%. (nota: na realidade no cabaz do INE a alimentação pesa 22% mas obviamente os mais pobres gastam mais que isso em alimentação).
Donde, se o preço dos produtos alimentares tiver aumentado mais que o preço dos outros bens, a inflação para os mais pobres é maior que a inflação para os mais ricos.
Logo tal como há dois aumentos de ordenado (para os ricos e pobres), também há duas inflações totalmente distintas: novamente para os ricos e para os pobres. E ambos muito diferentes num país muito desigual.
E sendo a inflação maior para os mais pobres, se os preços dos produtos de primeira necessidade crescerem mais que os outros.
Simplifiquemos. Se os preços da alimentação subirem 20% e o resto 10% e os gastos dos mais pobres for 60% para comida e 40% com o restante, e o rácio dos mais ricos for 30%-70%, a inflação dos mais desfavorecidos é 20% x 60% + 10% x 40% = 16%.
E o aumento de preços dos mais ricos é 20% x 30% + 10% x 70% = 13%.
Pelo que não só há duas inflações (para mais ricos e mais pobres) como os mais pobres pioraram.
Porque primeiro o “ordenado” teórico (em valor) não cresceu 15% mas 4%, já que há grande diversidade entre o aumento de ordenados.
E segundo porque se aos 4% se retirar 16% de aumento de preços, os mais pobres pioraram 12% (4-16 = -12) enquanto os mais ricos melhoraram o aumento de ordenado de 20% menos a inflação de 13% o que dá (20-13) 7%.
O que isto significa é que num país profundamente desigual os números gerais da economia são uma profunda mentira, ao esconder realidades completamente distintas. Quer em aumento teórico de ordenados. Quer em subida real de preços (no cabaz de compras).
E sempre assumindo (e tudo bem) a correcção do cabaz para a economia. E de recolha de preços.
Lembrando o velho ditado. Há três tipos de mentiras: grandes, muito grandes e… estatísticas. Ou se preferir, caro leitor, com a verdade nos enganam.
O seu vizinho comeu mais duas lagostas. O caro leitor mais nenhuma? Não caro leitor, não. Está enganado. Em média comeram mais uma lagosta cada um.
O preço do supermercado aumentou 20%? E o da lagosta 0%? Não, caro leitor, a sua inflação não foi 20%. Foi a média entre 20 e zero, isto é dez por cento.
Caramba… vá lá… não seja negativo e pessimista. Reconheça que está muito melhor. Parabéns e votos de bom fim-de-semana.