Sistema fiscal é um inferno de taxas e burocracias

“Precisamos de um novo paradigma constitucional e político”, afirma André Ventura, líder do CHEGA, projeto político que aguarda o parecer do Tribunal Constitucional para se transformar num partido. Apoiar a indústria e os serviços de excelência nacionais e “reformar completamente o sistema fiscal português, para que investir em Portugal seja atrativo e compensador, e não um inferno de taxas e burocracias”, é a estratégia definida pelo CHEGA para promover o crescimento económico e baixar a dívida pública.
Vida Económica - Quais os grandes objetivos políticos do CHEGA?
André Ventura - O CHEGA tem como grande objetivo político reconfigurar a atual democracia portuguesa. O estado da justiça, das instituições e da própria economia está tão mau que apenas a fundação da IV República poderá remediar os nossos males. Precisamos de um novo paradigma constitucional e político. Precisamos de abalar o sistema vigente se não queremos que, em breve, já nada se possa fazer. Passaram mais de 40 anos do 25 de Abril e os nossos problemas de justiça e de economia mantêm-se, independentemente da cor dos governos.
Se continuarmos este rumo, estamos apenas a adiar o cenário de colapso, na economia, na segurança social ou na justiça. Hoje temos metade do país a sustentar a outra metade e isso é inaceitável, até porque uma boa parte simplesmente prefere não fazer nada e ser sustentado pelos outros. É isto a tão badalada equidade fiscal? A solidariedade orçamental? É preciso um modelo absolutamente novo e isso só o CHEGA poderá levar a cabo.
VE - Pretendem eleger deputados para o Parlamento Europeu?
AV - As eleições europeias de 2019 assumem para o CHEGA uma importância fundamental: são as primeiras em que, se tudo correr bem e o registo do partido for deferido pela Tribunal Constitucional, o CHEGA poderá apresentar-se a eleições perante os portugueses, com uma mensagem antissistema que nunca foi utilizada na nossa democracia. O resultado que obtivermos poderá ser muito significativo para calcular o que vai ocorrer nas eleições legislativas de Outubro. Queremos eleger deputados para o Parlamento Europeu por duas ordens de razões: para evidenciar a força nacional do CHEGA e para começar a trilhar o caminho de uma nova Europa, onde os países do Sul também tenham direito a uma voz efetiva.
Basta ver que tipo de deputados temos tido no Parlamento Europeu: cordeirinhos sem qualquer capacidade de negociação com Bruxelas. É preciso levantar a voz, criar plataformas de união e fazer ver que o tratamento que tem sido dado a alguns Estados é injusto e arbitrário. Temos de acabar com este efeito de acomodação que a ida para Estrasburgo provoca nos deputados eleitos em Portugal.
VE - Não temem que as medidas fraturantes que propõem possam dividir a sociedade portuguesa?
AV - Hoje é muito comum acenar com o fantasma da divisão social e da ingovernabilidade como forma de manter o espetro político inatacável. É verdade que o CHEGA propõe medidas radicalmente novas na área da justiça, da economia e das instituições políticas, mas não será já tempo de alguém o fazer? Quanto tempo mais teremos este clima de impunidade na sociedade portuguesa? Quantos mais abusadores sexuais de menores ficarão em liberdade com penas suspensas ou com penas reduzidas? Durante quanto mais tempo a dívida pública continuará a aumentar? E o desemprego jovem?
Perante tudo isto, as propostas do CHEGA são radicais, sem dúvida. Mas não há outra forma de resolver os problemas se não queremos – como penso que nenhum português quererá – voltar a ser intervencionados pela troika e ser humilhados na nossa soberania.
Vou dar-lhe um exemplo: o CHEGA proporá uma redução tendencialmente total do IRS para mulheres que tenham três ou mais filhos. Com esta medida pretende-se, ao mesmo tempo, desanuviar fiscalmente as famílias e promover políticas de natalidade radicalmente novas. Redefinir a política de lares para a terceira idade e acabar com a miserável subsidiodependência de algumas comunidades são outros exemplos de medidas que não teremos nenhum problema em assumir já nas lutas eleitorais de 2019.
“Não precisamos de 230 deputados”
VE - Defendem a redução de deputados para 100. Como o pretendem fazer no âmbito da Constituição atual?
AV - A atual Constituição da República Portuguesa prevê um mínimo de 180 deputados, sendo que o atual número é de 230. Para que precisamos de 230 deputados? Veja-se o caso da Holanda, onde têm muito menos deputados para uma população maior do que a portuguesa. Estudos apontam que são uma minoria os deputados que têm efetiva intervenção política em São Bento, já para não falar das desoladoras imagens do plenário praticamente vazio e de algumas deputadas a pintar unhas. Não se trata de demagogia: não precisamos de 230 deputados. Tal como dizem os nossos cartazes, 100 chegam e sobram. Iremos interpor, portanto, a respetiva proposta de revisão constitucional, seguros de que a grande maioria do povo português nos acompanha. Veja-se, aliás, que o PSD também já fala em redução de deputados.
VE - E o trabalho obrigatório nas prisões, não terá problemas de constitucionalidade?
AV - Temos de saber distinguir as coisas. As prisões não podem ser campos de férias, mas também não podem ser espaços onde o conceito de dignidade da pessoa humana não existe. Temos de encontrar o equilíbrio ótimo nesta equação. O Estado gasta milhões de euros na gestão e manutenção dos serviços prisionais. É justo que quem está integrado no sistema – e cometeu crimes – contribua para suportar esses custos. A nossa proposta é que os presos que recusem trabalhar não beneficiem de liberdade condicional nem de saídas precárias. É preciso moralizar a execução de penas e os serviços de justiça… ou em breve não teremos justiça nenhuma!
VE - Como vê o CHEGA o atual estado da União Europeia?
AV - O CHEGA não é contra a União Europeia. Isto não quer dizer que sejamos a favor desta União Europeia, onde parecem existir dois pesos e duas medidas no tratamento dos Estados e onde a burocracia reinante afasta cada vez mais os eleitores e os eleitos. Temos também alertado, de forma consistente, para os riscos de derrocada da União – com o “Brexit” e com o já falado Italexit, mas também com as situações da Polónia e da Hungria – e defendemos que Portugal deve estar preparado para esse cenário, mesmo que não seja aquele que defendemos.
Temos de ser responsáveis perante os portugueses, evitando desenhar um mar de rosas quando o que está à nossa frente mais parece um caminho de espinhos. As lutas constantes entre Theresa May e Jean-Claude Junker evidenciam isso mesmo.
O CHEGA estará preparado para todos os cenários, mas, neste momento, não é particularmente otimista relativamente ao futuro da União Europeia.
Prioridades de governação económica
VE - Quais as principais medidas de natureza económica do vosso programa de governo?
AV - A política económica do CHEGA tem como grandes objetivos a redução da dívida – e, consequentemente, da dependência externa – e a promoção de um crescimento sustentável, não erguido sobre os números artificiais da contabilidade ou sobre fenómenos conjunturais, mas verdadeiramente estável e assente no tecido económico português.
Os níveis de endividamento da economia voltam a ser preocupantes e ninguém parece preocupar-se com isso. A dependência de fatores externos e conjunturais como o turismo ou as exportações europeias também merecem melhor análise. O desemprego jovem passa tristemente ao lado do discurso político nacional.
É sobre estes aspetos que vamos focar a atenção prioritária do CHEGA em termos de programa de governação económica.
VE - Qual a estratégia definida para promover níveis de crescimento económico sustentáveis e baixar a dívida pública de forma consistente?
AV - Muito simples: apoiar verdadeiramente a indústria e os serviços de excelência nacionais, em vez de desenhar programas que mais não são do que folclore institucional. E reformar completamente o sistema fiscal português, para que investir em Portugal seja atrativo e compensador, e não um inferno de taxas e burocracias que é o cenário que hoje os nossos empresários enfrentam. Alguém ainda acredita que criamos riqueza e desenvolvimento sem empresários motivados? Sem empresas competitivas na cena europeia e internacional?
É nestes dois vetores que está o segredo de um país e de um crescimento sustentável.
VE - Como avalia os 4 anos de governo da Geringonça?
AV - Muito espetáculo e pouca consistência. Tem um mérito que ninguém poderá negar: conseguiram enganar muitos portugueses quanto ao rendimento disponível e reformas levadas a cabo. Aquilo que foi reposto nos impostos sobre o rendimento pessoal foi depois subtraído nos impostos indiretos. E a tão propagada reforma fiscal levou a que em muitos casos os profissionais tenham recebido menos em termos líquidos efetivos nos últimos anos do que recebiam antes. O que temos é muita maquilhagem e muita comunicação artificial… que cedo ou tarde despoletarão o choque da verdade. As pensões são outro exemplo gritante: enquanto o discurso político oficial exalta a reposição dos rendimentos dos mais idosos, a realidade é outra: as novas tabelas de IRS tiram-lhes dinheiro de forma vil e descarada. Enfim… é a marca deste Governo e desta Geringonça.
Política de imigração
VE - Um dos temas mais envoltos em polémica na União Europeia é a questão da imigração e dos refugiados. Como se posiciona o CHEGA?
AV - A Europa tem a obrigação moral de receber e proteger os verdadeiros refugiados, aqueles que fogem do terrorismo, da guerra e das perseguições políticas ou religiosas. O que não pode funcionar é uma política de portas completamente escancaradas: acredite-se ou não, isso levará ao colapso do projeto europeu. É fundamental reforçar o controlo nas fronteiras externas da União, para impedir fluxos de entrada de pessoas que nada têm a ver com refugiados. E é imperioso que não voltemos a ter terroristas a receber subsídios sociais, como aconteceu em Portugal o ano passado. Isso envergonha as pessoas e o país, mas é sintoma dessa alienação em que vive a União Europeia. É perfeitamente possível cumprirmos os nossos deveres éticos, morais e até históricos, sem cair no erro da total flexibilização de fronteiras que levará necessariamente a um colapso interno, a curto ou médio prazo.
VE - Tem sido apelidado pelos adversários políticos como um político de extrema-direita. É assim que se define?
AV - Acho graça a este fenómeno: tudo o que assume querer lutar contra o sistema instalado é imediatamente de extrema-direita, como se fosse um fantasma permanentemente a ser recriado a partir de cinzas. Para ser sincero, é-me indiferente onde colocam o CHEGA no espetro político. O que verdadeiramente me importa é, em qualquer parte do país onde vá, que as pessoas reconheçam a validade e o mérito das ideias e das propostas. O resto é entretenimento para as elites intelectuais se divertirem nas suas bolhas minúsculas. Se defender prisão perpétua para crimes hediondos como os cometidos pelo Pedro Dias ou a castração química para pedófilos é ser de extrema-direita, então, se calhar, uma grande parte dos portugueses é fascista e não o sabe.
VE - Se a Direita precisar do CHEGA, aceitará fazer parte de uma solução governativa com o PSD, o CDS e a Aliança?
AV - O CHEGA tem uma identidade muito própria e não pretende misturar-se nem diluir-se nos denominados partidos do sistema. Somos antissistema e assumimo-lo publicamente. Logo, a menos que se chegue a um compromisso efetivo de incorporar as nossas grandes linhas políticas nas áreas da economia, do emprego, da justiça ou da representação política, – o que me parece muito difícil quer do lado do PSD, quer do CDS –, está fora de questão qualquer tipo de acordos.
O CHEGA veio para fazer a diferença, não para conseguir lugares no Parlamento ou em São Bento.