Seguradoras não comunicam aumentos de preços às empresas;

Associações empresariais denunciam falta de transparência
Seguradoras não comunicam aumentos de preços às empresas
As seguradoras não vão informar as empresas sobre os aumentos de preços que fazem na renovação das apólices. A posição comum a todas as companhias e defendida pela Associação Portuguesa de Seguradores apoia-se numa recomendação da ASF, a entidade reguladora, que inclui apenas os seguros de particulares em termos de informação recomendada sobre aumentos de preços.
Vários dirigentes associativos contestam a posição das seguradoras e lamentam a falta de transparência em relação às empresas.
As seguradoras que operam no mercado português não querem alterar a prática seguida nos aumentos de preços nos seguros das empresas. Até agora, as seguradoras têm feito os aumentos de preços nas renovações dos contratos sem informar os segurados, comunicando apenas o valor da anuidade seguinte.
Essa prática está a ser contrariada pela ASF – Autoridade Supervisão de Seguros, que em 29 de março do ano passado emitiu uma recomendação sobre a informação de aumentos de preços que devia ser comunicada aos segurados. A questão alvo de um trabalho publicado na edição n.º 2038, da Vida Económica, publicada em 19 de Julho deste ano.
Em janeiro do corrente ano, a ASF emitiu uma nova recomendação e admitiu uma prorrogação até 31 de dezembro de 2024 nos casos em que o aumento de preço se deva à iniciativa dos segurados, ou seja, no número reduzido de situações em que os clientes tomam a iniciativa de alterar as condições do contrato.
No entanto, por solicitação das seguradoras, as empresas foram excluídas das recomendações da ASF, e as empresas não estão a receber informação sobre aumento de preços na renovação dos contratos, nem está previsto que tal venha a acontecer.
Segundo apurou a “Vida Económica”, e apesar de a recomendação da ASF estar em vigor desde março de 2023, a maioria das seguradoras continua a não comunicar os aumentos de preços que são introduzidos na renovação dos contratos, mesmo em relação aos seguros de particulares.
A Fidelidade foi a primeira seguradora a alterar este ano o procedimento, seguindo a recomendação da ASF em relação aos ramos de seguro e aos segurados incluídos na recomendação da ASF.
A maioria das seguradoras ainda não cumpre a recomendação da entidade supervisora, alegando que só o deverá fazer a partir de janeiro de 2025, quando a circular da ASF só considera esse prazo nos casos em que o aumento de preço se deva a alterações introduzidas pelos segurados.
Dirigentes associativos contestam tratamento discriminatório 
para as empresas
 
“A conduta das seguradoras ao não informarem sobre as alterações de preços que aplicam na renovação dos contratos que envolvam empresas, configura uma atuação que viola as obrigações contratuais e ignora as recomendações expressas da ASF” – considera Luis Miguel Ribeiro. Em declarações à “Vida Económica”, o presidente da AEP – Associação Empresarial de Portugal  considera que os avisos de pagamento de renovações de contratos de seguro devem ser mais detalhados quanto às alterações verificadas, designadamente sobre o novo valor do prémio e as razões para o aumento,  não se limitando a referir apenas o valor do novo prémio de seguro aplicável, por forma a que os segurados possam tomar decisões informadas sobre a sua vontade de continuidade, ou não, do contrato de seguro.
“Ao adotarem critérios desiguais, discriminando as empresas por não lhes comunicarem, nem tencionam comunicar, os aumentos de preços nos contratos de seguro, as seguradoras originam litígios judiciais, considerando-se uma prática que deveria ter como consequência a aplicação de coimas pela ASF, por violação das normas da concorrência, uma vez que todas as seguradoras adotam a mesma prática, havendo uma diminuição da concorrência no mercado de seguros” – acrescenta o presidente da AEP.
Para Luis Miguel Ribeiro, essa iniciativa de informação devia ser tomada pelas seguradoras, em nome dos princípios da transparência e da confiança.
“Compete à seguradora informar, de forma clara, a empresa de todas as circunstâncias que poderão, durante a vigência do contrato, determinar um aumento no prémio do seguro, sob pena da quebra da credibilidade depositada pelas empresas na sua relação com a entidade seguradora.
A não comunicação às empresas frusta não só a sua confiança, como também o seu direito em obter legítimas informações sobre o contrato de seguro” – resume Luis Miguel Ribeiro.
Ao omitirem a informação, as seguradoras adotam um comportamento diferenciado face à prática seguida nos outros países europeus, não garantindo o princípio da transparência, nem protegendo os direitos dos segurados.
Para Luis Miguel Ribeiro, pode ser necessário rever o Regime Jurídico do Contrato de Seguro “... no sentido de estabelecer normas legais imperativas que obriguem as seguradoras a informar os segurados sobre qualquer aumento nos prémios de seguro na renovação do contrato”.
O presidente da AEP reitera “...a importância vital da transparência, não apenas no caso particular de seguros, mas, transversalmente, em todos os aspetos da atividade empresarial, de forma a garantir maiores níveis de segurança e previsibilidade para as empresas portuguesas e contribuir, assim, para o seu sucesso”.
 
AIMMAP propõe alteração 
nas condições particulares 
dos contratos 
 
“A confirmar-se a falta de comunicação às empresas das alterações dos preços dos seguros por parte das seguradoras, tratar-se-á de um comportamento muito pouco transparente” – afirma Rafael Campos Pereira. Para o vice-presidente da AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos e Afins de Portugal, as empresas devem estar mais atentas e ativas nos contratos de seguros.
Nesse sentido, “... sem prejuízo de entender que a Autoridade de Supervisão de Seguros deverá ter o cuidado de recomendar às seguradoras que informem previamente os segurados dos aumentos dos prémios, previamente à renovação, não deixo igualmente de alertar as empresas para estarem atentas a esse detalhe muito importante e passarem a negociar a integração da obrigação de comunicação dos aumentos nas cláusulas particulares dos contratos que venham a celebrar” – afirma Rafael Campos Pereira.
 
Atraso no cumprimento das recomendações não é positivo
 
“Pela análise das circulares da ASF, de 2023 e 2024, parece haver algum atraso na implementação das recomendações e na sua monitorização, o que não é positivo” – afirma Ana Vieira. Em declarações à “Vida Económica”, a secretária-geral da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal considera haver todas as vantagens na introdução de mecanismos que garantam transparência na determinação dos custos associados a prémios de seguro, nomeadamente em matéria de aumentos de preços. 
Segundo refere, para a definição dos seus orçamentos, as empresas também devem saber com o que contam por parte dos seus fornecedores. Muitas empresas têm um pacote de seguros significativo, entre seguros obrigatórios e outros, são cada vez mais as empresas que, por exemplo, oferecem seguros de saúde - e, portanto, esta é uma rúbrica que não é de desconsiderar em termos financeiros. 
Para Ana Vieira, é possível melhorar as práticas existentes, aproveitando as redes (sistema bancário e mediadores), que colocam a esmagadora maioria dos produtos de seguros no mercado.
 
Empresas devem ser incluídas nas recomendações da ASF
 
“Não se compreende o facto de a ASF não incluir as empresas nas suas recomendações” – lamenta Luis Ceia. Para o presidente da Confederação Empresarial do Alto Minho as empresas devem receber a informação sobre os aumentos dos preços dos seguros.
 
“Num contexto onde a grande maioria das empresas são PME, cujos recursos humanos afetos às áreas administrativas são por vezes muito reduzidos e tem como principal função o apoio direto à produção e serviços prestados de forma a satisfazer as necessidades imediatas dos clientes, questões administrativas como os prémios de seguros e outros assuntos de apoio indireto à atividade da empresa são deixados para segundo plano na ordem de prioridades” - afirma. No caso concreto dos prémios de seguro, as renovações por serem na sua generalidade automáticas não são na maioria das situações acompanhadas em tempo útil, sendo a empresa ultrapassada pelo acontecimento. “Perante um cenário deste género, não se entenda que as empresas sejam discriminadas negativamente relativamente aos clientes individuais” – refere Luis Ceia.
Para Luis Ceia, a informação sobre os aumentos dos preços pode favorecer as rescisões de contratos de seguro, o que é contrário ao interesse das seguradoras. “Mas, a transparência e a confiança que dai advém, serão certamente premiadas num futuro próximo, pois as empresas, muito em particular as PME, assentam muito a sua atuação no estabelecimento de relações de acompanhamento e confiança”- conclui Luis Ceia.



Seguros têm grandes variações de preços no mercado
 
“As variações de preços entre as seguradoras que operam no mercado são bastante significativas” – afirma David Pereira. Para o presidente da APROSE, a associação dos mediadores de seguros as diferenças de preços explicam-se pelo posicionamento das seguradoras e pela evolução da sinistralidade das suas carteiras de seguros.
Ao ser pedida uma cotação para uma frota de 15 automóveis para uma empresa as propostas de preço de seguro com os mesmos capitais chegam a variar entre €10.000 e €22.000. de acordo com David Pereira a diferença entre a cotação mais favorável e a mais cara pode representar mais do dobro em função da seguradora.
Para o presidente da Aprose, os mediadores profissionais têm um papel crucial no apoio e aconselhamento na contratação de seguros.
Ao serem confrontadas com os novos preços na renovação dos seguros as empresas devem consultar outras seguradoras em vez de aceitarem de forma passiva os aumentos aplicados pelas seguradoras.
Segundo disse à “Vida Económica”, não existe qualquer razão lógica para as empresas serem excluídas nas recomendações da ASF sobre a informação de aumentos de preços de seguros.
Para David Pereira, a mesma falta de transparência sobre aumentos de preços dos das seguradoras em relação às empresas também se verifica em relação aos mediadores.
Por isso, a Aprose considera que os mediadores prestam um apoio essencial na análise de preços, deteção dos desvios, consulta das seguradoras no mercado e verificação das coberturas.
De acordo com David Pereira, os aumentos de preços aplicados pelas seguradoras nas renovações dos seguros das empresas são consideráveis. No caso de ocorrerem sinistros, o aumento de preço na renovação de seguro pode atingir 40% ou mesmo 50% mais face à anuidade anterior.
Não havendo sinistros, os aumentos anuais de preços andam geralmente entre os 5% e 15%, estando sempre bastante acima da inflação

 

VIRGÍLIO FERREIRA virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt, 19/09/2024
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